Angel Dust (1992)
The Real Thing, embora muito melhor que
seus antecessores, ainda não apresentava o Faith No More como uma banda única.
O álbum foi um sucesso com sua abordagem musical mais acessível, embora ainda
carregasse bastante peso em diversos momentos. O mais comum seria seguir
adiante com esta fórmula. Mas não foi o que aconteceu. Mike Patton havia se
consagrado como frontman e participou
ativamente das composições do trabalho seguinte (além de continuar provendo boa
parte das letras), o que fez com que a direção musical do Faith No More mudasse
bruscamente – para melhor. O resultando é Angel
Dust, a obra-prima da banda. Foi neste álbum que atingiram um novo patamar
de composição e musicalidade, tão difusas em diversos estilos. Em Angel Dust, Roddy Bottum contribuiu com
suas melhores linhas de teclado e Patton pôde finalmente mostrar tudo o que sua
voz é capaz de fazer – ouvindo o álbum inteiro, é difícil de acreditar que se
trata de um mesmo homem.
Land Of Sunshine já deixa claro que o
trabalho em questão é diferente de The
Real Thing. Aquela banda dos anos 80 havia acabado. O Faith No More havia
se tornado mais complexo, mais dark.
O som é difícil de descrever, pois não se parece com mais nada do que escutei
anteriormente. O baixo de Billy Gould continua “funkeado”, Mike Bordin segue
extremamente eficaz na bateria e a guitarra de Jim Martin, embora ainda
potente, parece ceder mais lugar aos teclados e eu diria até que esta decisão
foi um acerto, pois tornou o som mais único e experimental. Caffeine traz um dos mais belos
trabalhos vocais do disco, assim como um dos andamentos mais esquisitos – a
canção passeia por momentos distintos que, juntos, formam um todo excelente,
uma composição totalmente anticomercial, marcante e pesada, onde destaco um
instante de crescente tensão pontuada pelo baixo lá pela metade, que culmina em
uma explosão de guitarras e vocais gritantes e distorcidos.
Um
dos momentos mais acessíveis de Angel
Dust é o hit Midlife Crisis, com
guitarras mais contidas e vocais mais limpos, que se sobrepõem ao fim criando
uma interessante fusão. A música é o perfeito antônimo de Caffeine e possui um refrão marcante, especialmente ao vivo. RV é uma música... como posso definir?
Ela fala sobre um redneck (um caipira
americano) e tem pitadas de Country, mas seus acordes de piano me fazem lembrar
das animações góticas de Tim Burton, como The
Nightmare Before Christmas e Corpse
Bride (lombra minha, eu sei). Esta é bizarra e divertida a ponto de me
deixar ligeiramente embriagado. Porém, a canção que mais me deixa extasiado é Smaller And Smaller, belissimamente
cadenciada, onde posso destacar o ótimo trabalho de Bordin na condução, mas não
posso deixar de citar o riff de
Martin e as vozes de Patton no refrão (que oscilam entre graves e gritos estridentes).
E o canto aborígene no meio da canção? E o solo de guitarra após o mesmo? Sim, Smaller And Smaller é a melhor canção de
Angel Dust – na verdade, uma das duas
melhores.
Após
uma breve e simples introdução de teclado, temos em Everything’s Ruined um momento de descanso de toda aquela
experimentação sonora e podemos simplesmente conferir uma canção mais
descompromissada, mas jamais inferior. Malpractice
é a única composição do álbum creditada exclusivamente a Patton. Aqui temos
o peso do Heavy Metal aliado aos teclados góticos e vocais desesperados, além
de passagens díspares belamente unidas (como acontece em Caffeine e Smaller And
Smaller). Kindergarten é outra
canção das menos experimentais e igualmente fantásticas da obra, onde Patton
recita seus versos como um rapper e
fala a um rádio em velocidade impressionante em dois momentos distintos. O riff principal de baixo e o
acompanhamento na guitarra pontuam de forma soberba a faixa. Be Aggressive é o momento mais
bem-humorado de Angel Dust. Trata-se
de uma composição de Roddy Bottum sobre sexo oral em homens, cujo divertido
refrão é cantado por crianças! (É dito que Bottum, homossexual assumido, compôs
a canção apenas para deixar Patton envergonhado ao cantá-la ao vivo. Dada a
loucura do vocalista, creio que não deu certo.)
A Small Victory é mais uma canção
desprovida de grande experimentalismo, sendo um dos grandes sucessos comerciais
extraídos do álbum e que apresenta mais uma vez teclado e guitarra interagindo
quase que sexualmente, tamanho o agrado que causam juntos. Crack Hitler é a única faixa de todo o trabalho que não me atrai
tanto. Trata-se de um Funk um pouco repetitivo, porém longe de ser ruim e traz
ainda bons momentos mais lentos e pesados. Então, finalmente, temos Jizzlobber, o épico apoteótico de Jim
Martin, com seus mais de seis minutos de riffs
sintomáticos, passagens tensas e vocais agressivos – tudo isso carregado de
peso e dramaticidade. O desfecho da faixa é belíssimo ao som do teclado acompanhado
de um coro de vozes em perfeita sintonia. Jizzlobber
é a outra melhor composição de Angel
Dust e encerra com maestria a participação do Heavy Metal no álbum –
evidenciado também por Caffeine, Smaller And Smaller e Malpractice.
Ainda
há espaço para duas releituras. A primeira delas é Midnight Cowboy, tema do homônimo clássico cinematográfico de 1969
(Perdidos Na Noite, no Brasil)
estrelado por Jon Voight e Dustin Hoffman. Soberba versão, tão emocionante
quanto a original. O mesmo pode ser dito da faixa seguinte, aquele cover dos Commodores que, em nosso país,
se tornou a gravação mais conhecida do Faith No More. Easy foi incluída no Angel
Dust posteriormente, não como bonus
track, mas como parte do tracklist oficial
da versão européia do álbum. A diferença mais gritante da releitura do FNM em
relação à original dos Commodores é a ausência do segundo verso, deixando a
canção mais curta, mas não menos perfeita para curtir uma fossa ou revisitar
boas e velhas recordações. Jizzlobber seria
uma conclusão perfeita para o álbum, mas Easy,
por sua tamanha beleza, definitivamente
não faz feio. A obra máxima do Faith No More estava, portanto, encerrada.
King For A Day... Fool For A Lifetime (1995)
Jim
Martin, não satisfeito com a direção musical adotada em Angel Dust, abandonou o Faith No More ao final de 1993. Para
auxiliar nas composições e gravar o álbum seguinte, Trey Spruance (colega de
Mike Patton no Mr. Bungle) foi contratado em seu lugar no ano seguinte. Parecia
tudo certo. Mas, nesta mesma época, duas tragédias ocorreram com Roddy Bottum:
as mortes de seu pai e de Kurt Cobain – pois Courtney Love é sua grande amiga
desde o início dos anos 80, quando tiveram um breve relacionamento, bem antes
de Bottum se assumir gay. Portanto, o
tecladista se ausentou quase que inteiramente do processo de composição e
gravação de King For A Day... Fool For A
Lifetime, um álbum que, justamente por isso, acabou saindo bem menos
experimental, mais focado em guitarras (o que não deixa de ser irônico, dada a
saída de Martin) e mais direto. Contudo, faz justiça a genialidade de seu
antecessor com músicas de extremo bom gosto.
Se Land Of Sunshine, faixa de abertura de Angel Dust, era algo difícil de rotular,
Get Out é um Punk direto, agressivo e
pesado como o Heavy Metal que inicia King
For A Day. Portanto, a diferença gritante já fica clara desde o início. Ricochet é uma excelente balada cortante
e violenta sobre como é divertido magoar as pessoas até que alguém lhe faça o
mesmo. Belíssimos versos, ponte e refrão cantados por Patton com uma voz mais
econômica (presente em quase todas as músicas da bolacha). Evidence é uma mistura de Funk com Jazz bem balanceada e com um bom
e leve trabalho de guitarra e teclado, sendo a primeira de algumas canções de King For A Day a destoarem do Punk/Metal
predominante no álbum. Evidence se
tornou um número curioso ao vivo, pois Patton adaptou a letra também para o
Italiano, Espanhol e Português, cantando-a sempre no idioma mais adequado ao
país onde a banda se apresenta.
O
ritmo mais agressivo é retomado com The
Gentle Art Of Making Enemies, que reúne momentos ao mesmo tempo suaves e
tensos com a porrada que toma conta do refrão. A voz de Patton está
inconstante, variando entre o calmo e o desesperado. Definitivamente é uma das
melhores músicas do disco e um dos pontos altos dos shows. Star A.D. apresenta outro momento distinto no trabalho, um Jazz
Fusion com direito a metais dando um clima totalmente retrô, um tanto fifties, onde o grande destaque é, outra
vez mais, o baixo com grande carga funk de
Billy Gould. Cuckoo For Caca é, ao
lado de Surprise! You’re Dead!, a
composição mais puramente Metal de toda a carreira do Faith No More. Esta,
porém, traz teclados bem discretos em alguns momentos e um número maior de
variações, além de um Patton novamente domado por sua esquizofrenia artística.
Outro número indispensável de King For A
Day.
Após
toda a agressividade de Cuckoo For Caca,
temos o momento mais bizarro do trabalho: uma Bossa Nova chamada – acreditem – Caralho Voador, cujo um dos versos é
cantado em Português. O “caralho voador” do título refere-se ao carro utilizado
pelo seu viajante. Apesar de a canção nunca decolar realmente, é um bom exemplo
do humor e esquisitice afiados que se tornaram a marca registrada da banda após
a entrada de Mike Patton. Ugly In The
Morning apresenta guitarras pesadíssimas e o refrão tem um forte apelo New
Metal (também encontrado em momentos de Angel
Dust). O último minuto é totalmente dedicado ao surto desesperado de Patton
ao implorar que não olhem para ele (o motivo é o título da canção) e a destreza
da banda ao acompanhá-lo à medida que seu desespero se torna cada vez mais
incontrolável.
Digging The Grave é um poderoso Punk com
pitadas de Metal que fez com que eu me apaixonasse de vez pela simplicidade e
peso de King For A Day tanto quanto o
fiz pela complexidade e experimentação de Angel
Dust. Em três minutos, a banda entrega uma energia incansável, um ritmo
contagiante e uma porrada musical ensurdecedora e magnífica. São incontáveis as
vezes nas quais coloquei esta canção no repeat
e a deixei tocar por muitas e muitas vezes, seja em casa ou na rua, a pé ou no
carro, sempre no último volume. Merece um parágrafo só para ela. A melhor de
todas. Sem mais.
Outro
contraste musical em meio a tanta distorção é a ótima balada Country Take This Bottle, um dos mais belos
momentos da discografia do FNM. Aqui, Trey Spruance mostra – assim como em Evidence, Star A.D. e Caralho Voador –
que captou perfeitamente a essência da banda, sendo capaz de criar e executar
diversos estilos musicais dentro e fora do Rock/Metal com maestria, indo desde
temas mais delicados e que exigem mais feeling
aos mais pesados e agressivos. King
For A Day é o álbum do Faith No More que possui o melhor trabalho de
guitarras, especialmente levando-se em conta a escassez de teclados, presentes
em um ou outro momento do trabalho. O que se segue é a faixa-título, com uma
introdução mais leve, onde o violão substitui a guitarra – que não demora a
aparecer. Esta é uma canção muito bem construída e que culmina em um ótimo
clímax agressivo. O problema é que ele se encontra praticamente na metade da
canção – a mais longa do disco, com seis minutos e meio –, fazendo com que o
restante da mesma se limite a repetição de frases da letra em uma passagem mais
calma. Logo, a música King For A Day,
apesar de muito boa, peca pelo mesmo motivo de outra faixa-título: The Real Thing.
What A Day é mais uma ótima faixa
Punk/Metal que soma ao álbum, enquanto The
Last To Know é outra balada de peso igualmente excelente – ao estilo de Ricochet, porém mais arrastada e constante
–, com um belo riff de guitarra entre
versos e um belo vocal dramático. O clima de despedida é iminente. O
encerramento épico fica por conta de Just
A Man e sua levada leve e esperançosa (como o brilho do Sol citado na
letra) que, no ato final, converte-se em um apanhado de emoções e um coro de
vozes reminiscente do Gospel. Assim
terminava King For A Day... Fool For A Lifetime, sem sombra de dúvidas
o melhor disco do Faith No More depois de Angel
Dust. Infelizmente, foi também o último grande álbum da banda, que começava
a cair no esquecimento nos Estados Unidos.