quinta-feira, 30 de agosto de 2012

I Hate No More: Parte V

Album Of The Year (1997)


O excelente King For A Day… Fool For A Lifetime não emplacou nas vendas tão bem quanto The Real Thing e Angel Dust. Trey Spruance, contratado para a composição e gravação do disco, não participou de sua subseqüente turnê, sendo substituído por Dean Menta, o técnico de teclado da banda na época. No ano seguinte, Jon Hudson se tornaria o mais novo guitarrista do Faith No More. Porém, àquela altura, a banda já se encontrava rachada, a convivência entre os integrantes já não estava mais tão bem. Apesar disso, seguiram em frente de forma profissional e lançaram Album Of The Year, novamente diferente do que a banda já havia feito – embora lembre em alguns momentos Angel Dust e King For A Day. Curiosamente, o nome do disco foi escolhido por ironia, já que, ao que parece, nem o próprio FNM ficou satisfeito com a direção musical tomada.

Album Of The Year começa muito bem com Collision, que alterna entre versos mais calmos e a raiva das guitarras e voz no refrão. Percebe-se imediatamente que, mesmo com a “volta” de Roddy Bottum, os teclados continuam econômicos – nada que possa lembrar a genialidade de outrora. Stripsearch é uma bem sacada mistura de música eletrônica, balada suave e Heavy Metal. Sem dúvidas, esta é a faixa mais climática de toda a carreira da banda. Levei muito tempo para digeri-la, e hoje a considero uma música muito boa, uma das melhores do álbum. Last Cup Of Sorrow é outro momento de destaque com efeitos na voz de Mike Patton, linha de teclado extremamente simples, mas memorável, e um baixo pulsante de Billy Gould. O refrão é sensacional. Três ótimas canções até aqui.

A coisa começa a desandar com Naked In Front Of The Computer que, musicalmente, parece uma Get Out bem mais modernizada e com vocais inferiores e irritantes, flertando novamente com o New Metal (estilo musical do qual o Faith No More ajudou a criar, influenciando inúmeras bandas do gênero). Felizmente, a bela balada semi-acústica Helpless retoma a qualidade das primeiras faixas. A essa altura, já é totalmente perceptível que Patton abusa dos efeitos em sua voz em Album Of The Year. Mouth To Mouth traz uma linha de teclado reminiscente da música circense sobreposta a uma estrutura basicamente Punk onde Patton declama os versos ao melhor estilo rapper. A seguir, temos um simples e certeiro riff de Hudson no arrebatador Hard Rock Ashes To Ashes, outro ponto alto nas apresentações da banda. Esta é facilmente a melhor canção – e último grande momento – de Album Of The Year.

She Loves Me Not é uma balada leve, bacana e despretensiosa com influências de Lounge Music e belos vocais. Got That Feeling segue com a mesma agressividade de Naked In Front Of The Computer e, apesar de levemente superior, não deixa de ser igualmente dispensável. Paths Of Glory é pesada, densa e cadenciada e segue uma mesma estrutura, não apresentando nenhuma novidade, mas conferindo uma interessante atmosfera dark que vai crescendo à medida que a canção avança. Home Sick Home, apesar de diferente em sua maior parte, é tão descartável quanto as outras duas mencionadas anteriormente – coincidência ou não, as três piores faixas do disco foram compostas unicamente por Mike Patton e cada uma delas possui em média dois minutos de duração. Pristina é uma faixa lenta e pesada que se limita à repetição exaustiva, não decolando nem mesmo em seu suposto clímax, concluindo – de forma pouco inspirada – Album Of The Year, que acabou se tornando o disco derradeiro do Faith No More.

Who Cares A Lot? (1998)


Who Cares A Lot? foi a primeira de várias coletâneas do Faith No More lançadas. Eu poderia ter escolhido qualquer outra para abordar aqui, mas esta é especial por ter sido lançada meses após o anúncio oficial do fim da banda, em Abril de 1998, tornando-se emblemática. Exceto pelo debut, todos os demais álbuns da banda – lançados pela Slash Records – estão representados aqui. Do Introduce Yourself, temos a releitura de We Care A Lot e a faixa-título (substituindo Anne’s Song). The Real Thing contribui com suas três primeiras faixas – From Out Of Nowhere, Epic e Falling To Pieces. Midlife Crisis, A Small Victory e Easy (em versão um pouco diferente da encontrada no álbum) representam o magnífico Angel Dust. King For A Day... Fool For A Lifetime aparece com Digging The Grave, The Gentle Art Of Making Enemies (substituindo Ricochet), Evidence e uma versão para I Started A Joke, dos Bee Gees, encontrada como bonus track em algumas edições do álbum, b-side de Digging The Grave e single final e póstumo, lançado com a coletânea. Para finalizar, temos Last Cup Of Sorrow, Ashes To Ashes e Stripsearch do Album Of The Year.

A novidade não se limita a I Started A Joke. Apesar de Who Cares A Lot? não incluir os singles Anne’s Song, Everything’s Ruined e Ricochet, o segundo CD da coletânea traz algumas raridades, como a apocalíptica e sombria The World Is Yours, gravada nas sessões de Angel Dust. Do que não entrou em King For A Day temos a divertida, leve e dançante Hippie Jam Song e o Heavy Metal com toques modernos de I Won’t Forget You. Instrumental foi gravada após as sessões do quinto álbum e apresenta a banda fazendo uma jam session experimental e interessante. Todas as guitarras da faixa foram gravadas por Roddy Bottum. Em seguida, temos uma porca versão demo em quatro canais de Introduce Yourself que, apesar de rara, em minha opinião empobrece o segundo CD, cujas demais faixas são muito bem produzidas. Para finalizar, temos três faixas ao vivo, sendo duas delas apenas trechos de músicas. O primeiro é de Highway Star, clássico do Deep Purple, enquanto o segundo é de Midnight Cowboy (rebatizada aqui Theme From Midnight Cowboy). O encerramento é a belíssima balada de Jazz This Guy’s In Love With You, gravada originalmente por Herb Alpert. O Faith No More, até onde se sabe, jamais gravou uma versão em estúdio desta canção.

Outras faixas mais raras da banda acabaram saindo em coletâneas posteriores, especialmente em The Very Best Definitive Ultimate Greatest Hits Collection (que também conta com um segundo CD de raridades), lançada em Junho de 2009, quatro meses após o FNM ter anunciado que retornaria aos palcos após onze anos com a mesma formação do Album Of The Year. Chuck Mosley se juntou à banda em um show em San Francisco em Abril de 2010 para cantar algumas canções. Patton se juntou a ele para fazer um dueto em Introduce Yourself. Em outra ocasião, Trey Spruance executou o álbum King For A Day na íntegra com a banda no festival Maquinaria, no Chile, em Novembro de 2011 – apenas dois dias antes da apresentação no SWU. De acordo com os próprios integrantes, sobretudo Mike Patton, definitivamente não há planos para um novo disco, o que é uma pena. Mas eles ainda estão por aí. Podem perfeitamente mudar de idéia algum dia. Eu só fico imaginando como teria sido o show final daquele maravilhoso último dia do SWU 2011 para mim caso eu já conhecesse e admirasse todas aquelas músicas da mesma forma que o faço hoje.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

I Hate No More: Parte IV

Angel Dust (1992)


The Real Thing, embora muito melhor que seus antecessores, ainda não apresentava o Faith No More como uma banda única. O álbum foi um sucesso com sua abordagem musical mais acessível, embora ainda carregasse bastante peso em diversos momentos. O mais comum seria seguir adiante com esta fórmula. Mas não foi o que aconteceu. Mike Patton havia se consagrado como frontman e participou ativamente das composições do trabalho seguinte (além de continuar provendo boa parte das letras), o que fez com que a direção musical do Faith No More mudasse bruscamente – para melhor. O resultando é Angel Dust, a obra-prima da banda. Foi neste álbum que atingiram um novo patamar de composição e musicalidade, tão difusas em diversos estilos. Em Angel Dust, Roddy Bottum contribuiu com suas melhores linhas de teclado e Patton pôde finalmente mostrar tudo o que sua voz é capaz de fazer – ouvindo o álbum inteiro, é difícil de acreditar que se trata de um mesmo homem.

Land Of Sunshine já deixa claro que o trabalho em questão é diferente de The Real Thing. Aquela banda dos anos 80 havia acabado. O Faith No More havia se tornado mais complexo, mais dark. O som é difícil de descrever, pois não se parece com mais nada do que escutei anteriormente. O baixo de Billy Gould continua “funkeado”, Mike Bordin segue extremamente eficaz na bateria e a guitarra de Jim Martin, embora ainda potente, parece ceder mais lugar aos teclados e eu diria até que esta decisão foi um acerto, pois tornou o som mais único e experimental. Caffeine traz um dos mais belos trabalhos vocais do disco, assim como um dos andamentos mais esquisitos – a canção passeia por momentos distintos que, juntos, formam um todo excelente, uma composição totalmente anticomercial, marcante e pesada, onde destaco um instante de crescente tensão pontuada pelo baixo lá pela metade, que culmina em uma explosão de guitarras e vocais gritantes e distorcidos.

Um dos momentos mais acessíveis de Angel Dust é o hit Midlife Crisis, com guitarras mais contidas e vocais mais limpos, que se sobrepõem ao fim criando uma interessante fusão. A música é o perfeito antônimo de Caffeine e possui um refrão marcante, especialmente ao vivo. RV é uma música... como posso definir? Ela fala sobre um redneck (um caipira americano) e tem pitadas de Country, mas seus acordes de piano me fazem lembrar das animações góticas de Tim Burton, como The Nightmare Before Christmas e Corpse Bride (lombra minha, eu sei). Esta é bizarra e divertida a ponto de me deixar ligeiramente embriagado. Porém, a canção que mais me deixa extasiado é Smaller And Smaller, belissimamente cadenciada, onde posso destacar o ótimo trabalho de Bordin na condução, mas não posso deixar de citar o riff de Martin e as vozes de Patton no refrão (que oscilam entre graves e gritos estridentes). E o canto aborígene no meio da canção? E o solo de guitarra após o mesmo? Sim, Smaller And Smaller é a melhor canção de Angel Dust – na verdade, uma das duas melhores.

Após uma breve e simples introdução de teclado, temos em Everything’s Ruined um momento de descanso de toda aquela experimentação sonora e podemos simplesmente conferir uma canção mais descompromissada, mas jamais inferior. Malpractice é a única composição do álbum creditada exclusivamente a Patton. Aqui temos o peso do Heavy Metal aliado aos teclados góticos e vocais desesperados, além de passagens díspares belamente unidas (como acontece em Caffeine e Smaller And Smaller). Kindergarten é outra canção das menos experimentais e igualmente fantásticas da obra, onde Patton recita seus versos como um rapper e fala a um rádio em velocidade impressionante em dois momentos distintos. O riff principal de baixo e o acompanhamento na guitarra pontuam de forma soberba a faixa. Be Aggressive é o momento mais bem-humorado de Angel Dust. Trata-se de uma composição de Roddy Bottum sobre sexo oral em homens, cujo divertido refrão é cantado por crianças! (É dito que Bottum, homossexual assumido, compôs a canção apenas para deixar Patton envergonhado ao cantá-la ao vivo. Dada a loucura do vocalista, creio que não deu certo.)

A Small Victory é mais uma canção desprovida de grande experimentalismo, sendo um dos grandes sucessos comerciais extraídos do álbum e que apresenta mais uma vez teclado e guitarra interagindo quase que sexualmente, tamanho o agrado que causam juntos. Crack Hitler é a única faixa de todo o trabalho que não me atrai tanto. Trata-se de um Funk um pouco repetitivo, porém longe de ser ruim e traz ainda bons momentos mais lentos e pesados. Então, finalmente, temos Jizzlobber, o épico apoteótico de Jim Martin, com seus mais de seis minutos de riffs sintomáticos, passagens tensas e vocais agressivos – tudo isso carregado de peso e dramaticidade. O desfecho da faixa é belíssimo ao som do teclado acompanhado de um coro de vozes em perfeita sintonia. Jizzlobber é a outra melhor composição de Angel Dust e encerra com maestria a participação do Heavy Metal no álbum – evidenciado também por Caffeine, Smaller And Smaller e Malpractice.

Ainda há espaço para duas releituras. A primeira delas é Midnight Cowboy, tema do homônimo clássico cinematográfico de 1969 (Perdidos Na Noite, no Brasil) estrelado por Jon Voight e Dustin Hoffman. Soberba versão, tão emocionante quanto a original. O mesmo pode ser dito da faixa seguinte, aquele cover dos Commodores que, em nosso país, se tornou a gravação mais conhecida do Faith No More. Easy foi incluída no Angel Dust posteriormente, não como bonus track, mas como parte do tracklist oficial da versão européia do álbum. A diferença mais gritante da releitura do FNM em relação à original dos Commodores é a ausência do segundo verso, deixando a canção mais curta, mas não menos perfeita para curtir uma fossa ou revisitar boas e velhas recordações. Jizzlobber seria uma conclusão perfeita para o álbum, mas Easy, por sua tamanha beleza, definitivamente não faz feio. A obra máxima do Faith No More estava, portanto, encerrada.

King For A Day... Fool For A Lifetime (1995)


Jim Martin, não satisfeito com a direção musical adotada em Angel Dust, abandonou o Faith No More ao final de 1993. Para auxiliar nas composições e gravar o álbum seguinte, Trey Spruance (colega de Mike Patton no Mr. Bungle) foi contratado em seu lugar no ano seguinte. Parecia tudo certo. Mas, nesta mesma época, duas tragédias ocorreram com Roddy Bottum: as mortes de seu pai e de Kurt Cobain – pois Courtney Love é sua grande amiga desde o início dos anos 80, quando tiveram um breve relacionamento, bem antes de Bottum se assumir gay. Portanto, o tecladista se ausentou quase que inteiramente do processo de composição e gravação de King For A Day... Fool For A Lifetime, um álbum que, justamente por isso, acabou saindo bem menos experimental, mais focado em guitarras (o que não deixa de ser irônico, dada a saída de Martin) e mais direto. Contudo, faz justiça a genialidade de seu antecessor com músicas de extremo bom gosto.

Se Land Of Sunshine, faixa de abertura de Angel Dust, era algo difícil de rotular, Get Out é um Punk direto, agressivo e pesado como o Heavy Metal que inicia King For A Day. Portanto, a diferença gritante já fica clara desde o início. Ricochet é uma excelente balada cortante e violenta sobre como é divertido magoar as pessoas até que alguém lhe faça o mesmo. Belíssimos versos, ponte e refrão cantados por Patton com uma voz mais econômica (presente em quase todas as músicas da bolacha). Evidence é uma mistura de Funk com Jazz bem balanceada e com um bom e leve trabalho de guitarra e teclado, sendo a primeira de algumas canções de King For A Day a destoarem do Punk/Metal predominante no álbum. Evidence se tornou um número curioso ao vivo, pois Patton adaptou a letra também para o Italiano, Espanhol e Português, cantando-a sempre no idioma mais adequado ao país onde a banda se apresenta.

O ritmo mais agressivo é retomado com The Gentle Art Of Making Enemies, que reúne momentos ao mesmo tempo suaves e tensos com a porrada que toma conta do refrão. A voz de Patton está inconstante, variando entre o calmo e o desesperado. Definitivamente é uma das melhores músicas do disco e um dos pontos altos dos shows. Star A.D. apresenta outro momento distinto no trabalho, um Jazz Fusion com direito a metais dando um clima totalmente retrô, um tanto fifties, onde o grande destaque é, outra vez mais, o baixo com grande carga funk de Billy Gould. Cuckoo For Caca é, ao lado de Surprise! You’re Dead!, a composição mais puramente Metal de toda a carreira do Faith No More. Esta, porém, traz teclados bem discretos em alguns momentos e um número maior de variações, além de um Patton novamente domado por sua esquizofrenia artística. Outro número indispensável de King For A Day.

Após toda a agressividade de Cuckoo For Caca, temos o momento mais bizarro do trabalho: uma Bossa Nova chamada – acreditem – Caralho Voador, cujo um dos versos é cantado em Português. O “caralho voador” do título refere-se ao carro utilizado pelo seu viajante. Apesar de a canção nunca decolar realmente, é um bom exemplo do humor e esquisitice afiados que se tornaram a marca registrada da banda após a entrada de Mike Patton. Ugly In The Morning apresenta guitarras pesadíssimas e o refrão tem um forte apelo New Metal (também encontrado em momentos de Angel Dust). O último minuto é totalmente dedicado ao surto desesperado de Patton ao implorar que não olhem para ele (o motivo é o título da canção) e a destreza da banda ao acompanhá-lo à medida que seu desespero se torna cada vez mais incontrolável.

Digging The Grave é um poderoso Punk com pitadas de Metal que fez com que eu me apaixonasse de vez pela simplicidade e peso de King For A Day tanto quanto o fiz pela complexidade e experimentação de Angel Dust. Em três minutos, a banda entrega uma energia incansável, um ritmo contagiante e uma porrada musical ensurdecedora e magnífica. São incontáveis as vezes nas quais coloquei esta canção no repeat e a deixei tocar por muitas e muitas vezes, seja em casa ou na rua, a pé ou no carro, sempre no último volume. Merece um parágrafo só para ela. A melhor de todas. Sem mais.

Outro contraste musical em meio a tanta distorção é a ótima balada Country Take This Bottle, um dos mais belos momentos da discografia do FNM. Aqui, Trey Spruance mostra – assim como em Evidence, Star A.D. e Caralho Voador – que captou perfeitamente a essência da banda, sendo capaz de criar e executar diversos estilos musicais dentro e fora do Rock/Metal com maestria, indo desde temas mais delicados e que exigem mais feeling aos mais pesados e agressivos. King For A Day é o álbum do Faith No More que possui o melhor trabalho de guitarras, especialmente levando-se em conta a escassez de teclados, presentes em um ou outro momento do trabalho. O que se segue é a faixa-título, com uma introdução mais leve, onde o violão substitui a guitarra – que não demora a aparecer. Esta é uma canção muito bem construída e que culmina em um ótimo clímax agressivo. O problema é que ele se encontra praticamente na metade da canção – a mais longa do disco, com seis minutos e meio –, fazendo com que o restante da mesma se limite a repetição de frases da letra em uma passagem mais calma. Logo, a música King For A Day, apesar de muito boa, peca pelo mesmo motivo de outra faixa-título: The Real Thing.

What A Day é mais uma ótima faixa Punk/Metal que soma ao álbum, enquanto The Last To Know é outra balada de peso igualmente excelente – ao estilo de Ricochet, porém mais arrastada e constante –, com um belo riff de guitarra entre versos e um belo vocal dramático. O clima de despedida é iminente. O encerramento épico fica por conta de Just A Man e sua levada leve e esperançosa (como o brilho do Sol citado na letra) que, no ato final, converte-se em um apanhado de emoções e um coro de vozes reminiscente do Gospel. Assim terminava King For A Day... Fool For A Lifetime, sem sombra de dúvidas o melhor disco do Faith No More depois de Angel Dust. Infelizmente, foi também o último grande álbum da banda, que começava a cair no esquecimento nos Estados Unidos.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

I Hate No More: Parte III

The Real Thing (1989)


Mike Patton foi sugerido ao posto de novo vocalista do Faith No More através de Jim Martin, quem havia conferido uma demo do Mr. Bungle (grupo do qual Patton fazia parte na época), e juntou-se à banda no início de 1989. Em aproximadamente duas semanas, escreveu todas as letras do que viria a ser The Real Thing, o álbum que finalmente revelou o Faith No More ao mundo (foi este o primeiro recomendado por Bruno a mim). Aparentemente, o instrumental já estava todo pronto, já que Patton não chegou a contribuir nesta parte. Ao ouvir o álbum, é clara a impressão de alívio por parte da banda por terem se livrado do problemático Chuck Mosley, o que acabou libertando-os de possíveis limitações, resultando em um boom criativo incansável se comparado aos dois primeiros discos.

From Out Of Nowhere nos mostra logo de cara o que The Real Thing tem de melhor: um som energético, bem construído e acabado, com ótimo trabalho instrumental e vocal. Um grande início para a nova fase da banda. A música seguinte, Epic, se tornou o maior hit da história do FNM e é um Rap Metal contagiante com direito a um ótimo solo guitarrístico de Martin e refrão grudento que funciona ainda melhor ao vivo. O fim da música é belíssimo ao som do teclado de Roddy Bottum. Billy Gould anuncia Falling To Pieces com seu baixo marcante e logo percebemos que se trata de uma boa mistura de Hard Rock e Funk com um apelo mais comercial, somando mais um sucesso. Aqui já é possível notar que Patton usa e abusa de uma voz mais nasalada, presente em boa parte do álbum.

Surprise! You’re Dead! é o primeiro grande Heavy Metal do Faith No More. Carente de teclados, a faixa confere um peso mais brutal em relação às anteriores e faz em pouco mais de dois minutos o que os álbuns We Care A Lot e Introduce Yourself falharam tentando. Zombie Eaters é simplesmente a melhor música deste terceiro álbum. A princípio, trata-se de uma linda balada calma ao som de violão, voz suave e o velho teclado climático. Porém, aos exatos dois minutos, a distorção do baixo indica que a atmosfera da canção irá mudar e a mesma se transforma em outra porrada cadenciada e maravilhosa – similar ao que acontece em The Crab Song, do álbum anterior. (Por às vezes chamar a Kiss de “my little zombie”, gosto de dedicar esta música a ela.) The Real Thing, a faixa-título, é uma boa promessa, com ares progressivos em diferentes passagens interessantes, mas que peca pela repetição excessiva em seus oito minutos de duração. Ainda assim, pode ser considerada uma das melhores da bolacha.

Underwater Love e The Morning After retomam a sonoridade mais comercial e descompromissada do início do álbum e são ótimas composições que só não se destacam mais por estarem entre tantas outras melhores. Minha segunda faixa preferida aqui é Woodpecker From Mars, um dos melhores instrumentais dos quais já ouvi. Posso afirmar com toda a certeza de que Roddy Bottum, Jim Martin, Billy Gould e Mike Bordin apresentaram o ápice de seu entrosamento musical em uma composição cheia de passagens distintas e mudanças bruscas de andamento. Apesar da linha de teclado ser reminiscente de música oriental, Woodpecker From Mars é Metal em sua mais pura forma. Uma mini obra-prima.

War Pigs é um clássico absoluto do Black Sabbath que, na versão do Faith No More, ganhou maior peso, agressividade e energia. Basicamente, esta releitura é uma atualização condizente com o Heavy Metal praticado em meados do final dos anos 80. Embora eu ame o Black Sabbath, devo admitir que o update não deva nada à original. Edge Of The World é um excelente Jazz guiado pelo piano que empolga e encerra com estilo o primeiro álbum de real sucesso e qualidade do Faith No More.

Live At The Brixton Academy (1991)


Durante a turnê de divulgação de The Real Thing, um show foi gravado em Londres em 28 de Abril de 1990 e em Agosto daquele mesmo ano foi lançada uma versão editada da apresentação em VHS chamada You Fat Bastards: Live At The Brixton Academy. A versão em disco, Live At The Brixton Academy, saiu apenas em Fevereiro do ano seguinte. No show em questão, o Faith No More executou todas as canções de seu terceiro álbum e algumas poucas da época de Chuck Mosley. No entanto, no disco entraram apenas oito canções: Falling To Pieces, The Real Thing, Epic, War Pigs, From Out Of Nowhere, We Care A Lot (a única a não fazer parte de The Real Thing), Zombie Eaters e Edge Of The World. A versão em VHS conta ainda com Underwater Love, As The Worm Turns e Woodpecker From Mars.

Live At The Brixton Academy apresenta a energia ao vivo que se espera de uma banda como o Faith No More e de um frontman tresloucado como Mike Patton que, não raramente, brinca com a própria voz (por vezes estremecendo-a), culminando em um momento totalmente “What the fuck?!” ao cantar o refrão de Pump Up The Jam, hit mundialmente conhecido do Technotronic, ao final de Epic. War Pigs também não é poupada das bizarrices de Patton, que balbucia alguns trechos na parte final da canção. We Care A Lot nos dá uma amostra de como as canções da “Era Mosley” soam bem mais energéticas na voz de seu substituto – inclusive, todas as versões de Live At The Brixton Academy possuem um peso e velocidade mais elevados se comparadas às originais.

A edição em CD do disco ainda conta com duas faixas gravadas em estúdio, lançadas anteriormente como b-sides do single de From Out Of Nowhere. A primeira delas é The Grade, um bom Country instrumental executado ao violão. Nada demais. A outra, The Cowboy Song, nos faz questionar o motivo de a mesma não ter entrado no tracklist de The Real Thing, pois trata-se de uma excelente fusão Hard N’ Heavy que poderia perfeitamente figurar no lugar de Underwater Love ou The Morning After. The Cowboy Song encerra muito bem o único disco ao vivo do Faith No More e este, por sua vez, marca o fim de mais uma fase da banda, que ainda atingiria seu ápice musical.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

I Hate No More: Parte II

We Care A Lot (1985)


We Care A Lot, o debut do Faith No More, já se inicia com sua faixa-título. A canção mais conhecida da banda com Chuck Mosley nos vocais logo denuncia qual é o grande problema deste álbum (e de seu sucessor): os vocais de Chuck Mosley. O vocalista parece cantar em constante bocejo, sem qualquer vontade de tentar fazer bonito. O que se salva aqui são os competentíssimos instrumentistas e sua habilidade – ainda em desenvolvimento – em criar boas composições. We Care A Lot apresenta uma fusão interessante de Metal, Funk e o Pop inconfundível dos anos 80 (essa mistura seria utilizada pela banda durante todo o resto da década).

The Jungle apresenta um belo trabalho de guitarra e teclado, com os instrumentos se alternando em alguns momentos e criando uma forte parede sonora juntos em outros – o teclado de Roddy Bottum, inclusive, se manteria fundamental ao som da banda por muitos anos. Mark Bowen aponta outro problema recorrente na estréia do FNM, que é a repetição. Algumas canções desta época simplesmente não decolam, embora pudessem ser ótimas caso tivessem sido mais cuidadosamente trabalhadas. Jim é uma bela canção instrumental, bastante semelhante àquelas encontradas em caixinhas de música, muito bem executada ao violão por Jim Martin, quem deu nome à faixa.

Why Do You Bother começa com o baixo sempre funkeado de Billy Gould, criando uma ótima introdução para outra música que jamais abandona a base rítmica, apesar de conseguir criar um clima mais denso em seus momentos finais, com a desaceleração da bateria, culminando em um simples piano que se repete até que não possamos mais ouvi-lo. Greed não traz nenhuma novidade. Assim como algumas outras canções aqui, ela é descartável. Pills For Breakfast – outra faixa instrumental – é, justamente por não possuir vocais, uma das melhores do álbum. Ela mostra uma vertente um pouco mais pesada da banda (cortesia de Martin), com riffs simples e o interessante acompanhamento de um climático sintetizador.

Por falar em sintetizador, Bottum rouba As The Worm Turns para si com sua maravilhosa linha de teclado, tomando conta de quase toda a primeira metade da canção. É uma pena, porém, que o resto da mesma não tenha sido tão bem desenvolvido – em pouco mais de três minutos, ela acaba um tanto abruptamente, e poderia ter rendido uma excelente faixa mais longa e com mais variações. Ainda assim, é minha preferida deste álbum. Arabian Disco é puro Pop datado, ainda que levemente interessante, mas nada mais do que isso. New Beginnings é um bom encerramento para o primeiro registro oficial do Faith No More. Esta faixa apresenta um pouco do que faltou em boa parte do trabalho: maior variação de andamentos e melhor acabamento.

Introduce Yourself (1987)


We Care A Lot foi um começo bastante morno para uma banda que ficou mundialmente famosa pela sua capacidade de criar, inovar e ousar. Introduce Yourself, o segundo disco, segue a mesma linha musical de seu antecessor e está longe de ser uma obra-prima. Porém, aqui a banda apresenta uma considerável melhora em suas composições. Até mesmo a voz de Mosley está um pouco mais “tragável”. Slash Records, a nova gravadora, permitiu que a banda produzisse seu segundo esforço de estúdio com melhores condições, permitindo uma qualidade de gravação superior.
Faster Disco abre o álbum de forma boa, porém econômica. Apesar de ainda bastante perceptível, o Pop dos anos 80, tão gritante em We Care A Lot, está bem mais contido aqui, fazendo de Introduce Yourself um disco menos datado. O delicioso Funk de Anne’s Song traz outra ótima linha de baixo de Gould, sendo o grande destaque da faixa, juntamente a um solo de Martin, não tão comum em sua passagem pela banda. Esta canção foi lançada como um single, mas não vingou (o que é uma pena, pois tinha tudo para dar certo). O fim abrupto da canção é imediatamente emendado pela rápida faixa-título, um Hard Rock direto, com apenas um minuto e meio de duração. Esta canção é certamente uma das melhores e mais famosas desta primeira fase da banda.

Um grande destaque neste álbum é Chinese Arithmetic, um Heavy Metal com pitadas de Rap e um discreto e climático teclado fazendo cama para os riffs inspirados de Martin, sempre roubando a canção quando aparecem. Minha preferida deste álbum. Death March começa com um Mosley indignado e mantém um clima tenso e pesado durante todo o tempo. Apesar de soar repetitiva, é uma faixa interessante. A regravação da faixa-título do álbum de estréia do Faith No More aparece em seguida, sendo quase idêntica a original, com algumas modificações na letra. Acredito que a banda regravou a canção por vontade da gravadora, que sabia que se tratava de um hit em potencial e bastava apenas uma melhor produção e divulgação.

RN’R mantém o bom nível do álbum, mesclando Heavy Metal e Funk com precisão. The Crab Song é a mais longa e bela composição aqui. O início se dá com Mosley se arrependendo das barbaridades que proferiu a uma mulher, implorando para que ela volte. Embora não seja um dos melhores vocalistas, ele até se esforça para conseguir cantar no tom correto na primeira parte da canção (a rouquidão chega a me lembrar do Seal), que se converte em uma porrada musical em sua segunda metade, também contando com versos recitados ao melhor estilo Rap, tão comum para Mosley. Blood é mais um bom Heavy com ótimas guitarras, mas é com Spirit que Introduce Yourself termina em real agressividade. Eu gosto de pensar nesta faixa como uma despedida de Mosley (embora esta realmente não tenha sido a intenção da banda ou do vocalista), que foi substituído por Mike Patton um ano depois.