domingo, 28 de novembro de 2010

The Hitcher (A Morte Pede Carona - 1986)

A primeira coisa que você precisa saber sobre The Hitcher é que o roteirista Eric Red criou a trama do filme inspirando-se na canção Riders On The Storm (a qual já comentei sobre neste blog). Ainda não é motivo suficiente para assisti-lo? Vamos então à sinopse:

O filme de 1986 dirigido por Robert Harmon nos apresenta o jovem Jim Halsey (C. Thomas Howell) atravessando os Estados Unidos pela Rota 66 para efetuar a entrega do carro que está dirigindo. Certa noite, próximo ao amanhecer, Halsey sente o peso do sono e, na esperança de manter-se acordado, decide dar carona a John Ryder (Rutger Hauer), um sujeito que se encontra à beira da estrada, sob uma forte tempestade. Logo, Ryder confessa ser um assassino frio e que Halsey será sua próxima vítima. Começa-se então um perturbador jogo de gato e rato que se conclui apenas ao final do filme.

Se a trama é bastante simples, o que tem de tão bom em The Hitcher? Para começar, esse é justamente um dos motivos que me fazem gostar deste filme. Aqui não temos explicações sobre a origem do assassino e os motivos que o levam a matar. Por exemplo, jamais descobrimos a razão de Ryder não matar Halsey nas várias oportunidades vistas ao longo do filme, muito menos o porquê de Halsey ter sido o “escolhido” para participar do jogo mortal de Ryder. Sabe-se apenas qual foi o propósito final do assassino. O foco aqui é o suspense e a ação.

Falando em suspense, Rutger Hauer encarna aqui um dos melhores vilões que já tive o prazer de assistir, transformando Ryder em um assassino sagaz, doentio e extremamente perigoso, e isso é algo para poucos. A atuação de Hauer é tão brilhante que me fez torcer por seu personagem. Em contrapartida, C. Thomas Howell encarna um jovem fraco e inseguro e é interessante acompanhar sua gradual transformação em um sujeito corajoso e vingativo. Já Jennifer Jason Leigh cumpre bem seu papel como Nash, uma garçonete que decide ajudar Halsey a fugir do assassino e até mesmo da polícia (culminando em uma fantástica perseguição envolvendo três viaturas, cujo desfecho é o melhor momento de The Hitcher).

O maior enigma do filme é a relação entre Halsey e Ryder. Alternando momentos de puro ódio e repulsa com ligeiros flertes (como na cena do interrogatório de Ryder), é impossível imaginar o que cada um deles realmente sente em relação ao outro, principalmente nos momentos finais da projeção. Não sei se a idéia foi proposital ou não, mas com certeza gerou discussões em mesas de bares na época do lançamento do filme.

Um dos grandes destaques de The Hitcher (além de Rutger Hauer, claro) é a Fotografia. O diretor Robert Harmon nos fornece enquadramentos de câmera fantásticos e que funcionam ainda melhor com a atmosfera criada pela iluminação, tanto nas cenas noturnas (como a primeira conversa entre os protagonistas) como nas diurnas (a já citada perseguição de carros). A trilha sonora (bem oitentista, por sinal) também contribui e muito, especialmente nos momentos de maior tensão.

Enfim, conclui-se que, mesmo não sendo uma obra-prima, The Hitcher é um grande filme de suspense que fará você refletir sobre fazer uma refeição em uma lanchonete de beira de estrada ou preferir passar fome até chegar à civilização.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Luke Strike: Cena X

Por falta de tempo para escrever para o blog, resolvi postar uma cena que escrevi para a aula de Oficina de Roteiro Audiovisual. Infelizmente não foi possível formatar aqui o roteiro exatamente como ele deve ser, mas a proposta permanece intacta.
CENA X – INT. NOITE (CASA)

Luke está em seu quarto. É noite e todas as luzes de sua casa estão apagadas, exceto a luminária que auxilia sua escrita sobre a escrivaninha cheia de objetos e materiais. O silêncio predomina em toda a casa. Ao olhar para a folha de papel em branco, Luke se dá conta de que não está em um bom momento de inspiração. Segurando a caneta com sua mão direita, passa a mão esquerda por seu rosto a fim de encontrar soluções para seu bloqueio criativo.

Luke larga a caneta, levanta-se, caminha lentamente em direção ao interruptor de luz, acendendo-a, e segue em direção à sua coleção de vinis. Dedilhando os álbuns, opta por The Lamb Lies Down On Broadway. Remove o segundo disco do álbum, pressiona o botão de energia de seu estéreo, levanta a tampa da vitrola, insere o disco e coloca a agulha sobre o mesmo. Quando Lilywhite Lilith se inicia, Luke volta para sua escrivaninha, senta-se na cadeira e pega sua caneta novamente.

Quando sentia que sua inspiração estava voltando, o braço direito de Luke contendo a caneta repousa sobre a folha de papel. Ao encostar sua caneta no papel para começar a escrever, ouve o barulho do som da campainha de sua casa. Faz cara de impaciência, larga novamente e caneta, levanta-se, sai do quarto e liga algumas luzes da casa que auxiliam sua direção à porta da frente.

Ao abrir a porta, Luke se surpreende ao ver Elektra.

LUKE
Elektra?
ELEKTRA
Oi, Luke.
LUKE
O que faz aqui?
ELEKTRA
Estou com muita dificuldade para fazer o texto que a professora Fletcher pediu. Sei que você gosta muito de escrever, então pensei se poderia me ajudar.
LUKE
Quando é o prazo para a entrega?
ELEKTRA
Segunda-feira.

Luke olha para o lado esquerdo e fica reflexivo por alguns segundos.

ELEKTRA
Por favor! Esta é a última chance que tenho para conseguir me livrar da disciplina dela!

Luke percebe que o desespero de Elektra é genuíno, abaixa a cabeça, olha para baixo, reflete por mais alguns segundos, respira fundo, ergue a cabeça e olha para ela.

LUKE
Tudo bem. Irei ajudá-la, mas no momento estou muito ocupado. Volte amanhã neste mesmo horário.

Elektra respira aliviada e abre um sorriso.

ELEKTRA
Muito obrigada, Luke. Você não faz idéia do quanto isto é importante para mim.
LUKE
Não há de quê.

Os dois se encaram por alguns segundos, sem dizer uma palavra.

ELEKTRA
Então é isso. Não irei mais incomodá-lo. Virei aqui amanhã como combinamos.
LUKE
Tudo bem. Boa noite.
ELEKTRA
Tchau.

Elektra dá meia-volta e começa a caminhar, enquanto Luke permanece na entrada de sua casa olhando para ela.

LUKE
Você...

Elektra então pára, dá outra meia-volta e olha para Luke.

LUKE
...gostaria de entrar por um momento?

Elektra abre um sorriso, ainda olhando para Luke.

ELEKTRA
Adoraria.

Luke então sorri discretamente, abre a porta da frente completamente, ainda olhando para Elektra, que começa a caminhar em direção à porta. Ao passar pela porta e ao lado de Luke, os dois trocam um intenso olhar. Luke continua a olhar para Elektra enquanto fecha a porta.

LUKE
Fique à vontade. Gostaria de beber alguma coisa?
ELEKTRA
Apenas um copo d’água, por favor.
LUKE
Já volto.

Luke então se dirige para a cozinha, enquanto Elektra se senta no sofá da sala e percebe a música vinda do quarto de Luke. Luke regressa com um copo d’água na mão direita e o entrega para Elektra, que sorri novamente.

ELEKTRA
Obrigada.

Luke senta-se no sofá de frente ao que Elektra se encontra. Debruça-se, entrelaça os dedos das mãos e fica olhando para um ponto do chão. Elektra, ao perceber seu nervosismo, tenta deixá-lo mais à vontade.

ELEKTRA
Não sabia que você gostava de Genesis. Costuma se inspirar na música para escrever?
LUKE
Quando minha inspiração não flui naturalmente, sim.
ELEKTRA
Costumo me inspirar em Bob Dylan para escrever.
LUKE
Por isso você tem dificuldade para tal.

Elektra sorri para Luke, que sorri para ela de volta. Ambos abaixam a cabeça enquanto riem.

ELEKTRA
Eu não acredito que estou aqui, em sua casa.
LUKE
Por que é tão difícil de acreditar?
ELEKTRA
Nos conhecemos desde o início do segundo grau e, exceto por algumas vezes em que trocamos olhares distantes ou dissemos “olá” um para o outro, nunca chegamos realmente a conversar.
LUKE
De fato.
ELEKTRA
Poderíamos ter nos tornado grandes amigos.
LUKE
É, poderíamos.
ELEKTRA
Estamos perto da formatura.
LUKE
Já decidiu o que fará do futuro?
ELEKTRA
Ainda não. Talvez estude para ser uma fotógrafa profissional.
LUKE
É uma bela profissão. Combina com você.

Elektra sorri timidamente e olha para o lado. Olha novamente para Luke.

ELEKTRA
E você? O que acha que a vida o reserva?
LUKE
Quero apenas escrever sobre o que gosto e apreciar o trabalho de outras pessoas.
ELEKTRA
E sobre o que está tentando escrever agora?
LUKE
O vazio que a solidão me traz.

Elektra adquire imediatamente uma expressão triste. Luke continua olhando para ela, mudo. Elektra coloca o copo já vazio sobre a mesinha em frente ao sofá.

ELEKTRA
É melhor eu ir agora.

Elektra se levanta do sofá. Luke levanta-se logo em seguida. Ambos caminham em direção à porta. Luke a abre lentamente para que Elektra possa sair.

ELEKTRA
Obrigada por ter me convidado a entrar.

Luke apenas afirma gesticulando a cabeça, olhando para Elektra.

ELEKTRA
Então, até amanhã.
LUKE
Até.

Elektra sai da casa. Luke fecha a porta e segue para a janela, se escondendo atrás da cortina minimamente aberta, observando Elektra ir embora. Elektra, ao dar alguns passos, se distanciando da casa, olha para trás, em direção à porta, ainda com uma expressão de tristeza. Luke segue olhando firmemente para ela. Elektra volta a olhar para frente e segue seu caminho. Luke dá um leve sorriso e fecha a cortina completamente.