Se há alguém neste mundo a quem
posso atribuir meu gosto musical, este é meu pai. Desde meu nascimento, há
quase 26 anos, fui educado com boa música, desde a MPB até o grandioso Rock N’
Roll. As bandas do estilo que mais marcaram minha infância foram os Beatles,
Pink Floyd, The Mission UK e Supertramp. Amo-as ainda mais hoje, que sou um
adulto e entendo que a Música não é apenas uma diversão, como era em meus
primeiros anos. Ela é, acima de tudo, capaz de transformar a vida das pessoas –
emocioná-las, fazê-las serem melhores, amar a si mesmas e ao próximo.
E, obviamente, há a nostalgia, a
boa e velha coadjuvante na trajetória de qualquer um. Nos tempos de Manaus (e
posteriormente Goiânia), meu pai e eu costumávamos passar horas nos fins-de-semana
escutando os vinis e cassetes que tínhamos em nosso sofisticado aparelho Sanyo.
Dançávamos e andávamos pelo apartamento seguindo o ritmo das músicas. Os anos
foram se passando e eu acabei me esquecendo destas sessões musicais e deixei de
escutar algumas destas bandas durante parte da adolescência, em que me fixei em
um som mais pesado.
Felizmente, meu pai jamais perdeu
contato com elas. Em 2007, eu já havia recuperado meu amor pelos Beatles e Pink
Floyd. Devido à falta de material suficiente do Supertramp (tínhamos apenas a
coletânea The Autobiography Of Supertramp
– 1986), apenas voltei a me interessar pela banda quando, certo dia, meu
pai chegou em casa com uma cópia de Even
In The Quietest Moments... (1977). Ele dirigiu-se imediatamente ao home theater e colocou o disco para
tocar. Logo reconheci todas as músicas daquele álbum, ainda que apenas duas
delas estivessem na coletânea – meu pai tinha aquele registro em cassete. Ao ouvir Lover Boy, Downstream, Babaji e Fool’s Overture após quase 15 anos, senti
um grande orgasmo musical. Me apaixonei absurdamente pelo Supertramp e busquei
conhecer mais de sua discografia. A consolidação pelo meu amor à banda deu-se
ao ouvir (e relembrar) School, faixa
de abertura do clássico absoluto do Rock Crime
Of The Century (1974) e que traz um maravilhoso solo de piano.
O Supertramp foi formado pelos
compositores Rick Davies (piano, teclado e vocais) e Roger Hodgson (piano,
teclado, violão, guitarra e vocais) em 1969. Após diversas trocas de músicos em
seus dois primeiros álbuns – os injustiçados e ignorados Supertramp (1970) e Indelibly
Stamped (1971) – Davies e Hodgson conseguem estabilizar a banda com a
contratação de Bob Siebenberg (bateria), Dougie Thomson (baixo) e John
Helliwell (saxofone). Esta formação acabaria por se tornar a mais famosa da
história do grupo, lançando cinco álbuns maravilhosos que se tornaram trilha
sonora da vida de muitas pessoas na época.
Após o sétimo álbum – “...Famous Last Words...” (1982) – e sua
subseqüente turnê, Roger Hodgson deixou a banda alegando que não havia mais
condições de Davies e ele conciliarem suas composições (mesmo que fossem
assinadas como Davies/Hodgson, quase todas foram compostas individualmente e cada
um era responsável pelos vocais principais de suas próprias canções – assim
como ocorria nos Beatles). O músico seguiu carreira-solo enquanto o Supertramp
deu prosseguimento com as composições de Rick Davies, lançando outros quatro
álbuns de estúdio.
Apesar do estilo de composição de
Davies ser bem diferente daquele de Hodgson, é evidente que ouvir às canções de
cada um intercalando-se tanto nos álbuns quanto nos shows era e ainda é uma
experiência deveras prazerosa. A voz grave de Davies contrastava perfeitamente
com a aguda de Hodgson. Os dois músicos se completavam, mas obviamente a figura
mais marcante na banda era a de Roger Hodgson, responsável pela maioria dos hits da carreira do Supertramp. Ambos
concordaram de que um não tocaria composições do outro em seus shows, mas, após
a turnê de Brother Where You Bound (1985),
Davies, tendo que carregar o nome da banda nas costas, se viu obrigado a
incluir algumas canções de Hodgson nos shows, pois apenas as suas não eram
suficientes para o grande público. Hodgson, em carreira-solo, jamais precisou
depender de alguma composição de Davies em suas apresentações para cativar a
platéia.
No ano passado, meu pai comprou o
DVD de Roger Hodgson Take The Long Way
Home, lançado em 2006 e que contém uma apresentação deste em Montreal acompanhado
apenas do músico de apoio Aaron MacDonnald. Fica claro neste registro que
Hodgson sozinho é capaz de fazer um show memorável e emocionante apenas
utilizando o talento de suas mãos e sua voz. As músicas, executadas apenas por
piano, teclado ou violão (e ocasionalmente saxofone), não perderam o brilho
devido à ausência de acompanhamento de baixo e bateria. É óbvio que meu pai,
Jack (minha “boadrasta”) e eu assistimos este DVD à exaustão.
Em Fevereiro passado, li uma
notícia que quase me fez cair da cadeira: Roger Hodgson se apresentaria no dia
28 de Abril no Centro de Convenções Ulysses Guimarães. OK, ele se apresentou em
Brasília em 2008, mas eu estava perdido nos confins de Montes Claros na época.
Agora eu teria a chance de curtir as canções que marcaram minha infância
executadas ao vivo por seu criador. Imediatamente fui à casa de meu pai para
lhe contar a notícia e, um tempo depois, nossos ingressos estavam em mãos. Jack
iria conosco, mas, devido ao fato de o show ter sido adiado para o dia seguinte,
ela teve que desistir da idéia, pois iria viajar na ocasião. Sabe-se lá por
qual motivo, minha mãe, outra admiradora do Supertramp, também resolveu que não
iria ao show. Ambas perderam. Que pena.
No dia do show, meu pai e eu
passamos a tarde inteira assistindo ao DVD de Hodgson e ao último show do
Supertramp com ele, realizado em Julho de 1983 na Alemanha. Fiz uma pesquisa
para saber se o show seria nos moldes do DVD ou se haveria uma banda completa e
meu pai e eu ficamos ainda mais empolgados ao saber que haveria cinco músicos
presentes no palco, pois isso aumentaria as chances de ouvirmos certas canções mais
musicalmente complexas que soariam no mínimo estranhas sem uma banda de apoio. No
início da noite, nos arrumamos e nos dirigimos ao local do show, chegando cerca
de uma hora antes de seu início. O local estava dominado por coroas, embora
houvesse muitos jovens também. Aquele não era um show tradicional de Rock, pois
todos assistiriam sentados em suas poltronas enumeradas.
Roger Hodgson e sua banda subiram
ao palco às 20:45 e iniciaram a apresentação com Take The Long Way Home, um dos inúmeros hits de Breakfast In America
(1979), o trabalho mais conhecido do Supertramp. Se a emoção já era grande o
suficiente ao ouvir os primeiros acordes da canção, ela inchou ainda mais quando
a voz marcante de Hodgson se fez presente nos primeiros versos. Eu simplesmente
me senti muito feliz em estar ali testemunhando a apresentação de uma lenda do
Rock cujo trabalho certamente marcou a vida de todos ali presentes.
Hodgson se comunicou com a
platéia em todos os intervalos entre canções. Sempre carismático e sorridente,
brincou diversas vezes e falou um pouco sobre as composições antes de
executá-las. Após a primeira canção, nos desejou uma boa noite, disse o quanto estava
feliz de estar de volta à Brasília após quatro anos e convidou todos a
participarem ativamente do show durante suas duas horas de duração. Quando ele
anunciou que a próxima música seria School,
senti aquele velho arrepio na espinha – apenas um dos vários da noite. Esta é
uma de minhas preferidas do Supertramp e, obviamente, também uma das quais eu
mais aguardava.
A apresentação, dividida em duas
partes de uma hora de duração cada, teve um intervalo de vinte minutos. Não me
lembro da ordem exata de execução das canções do set list, mas lembro-me que a primeira parte foi encerrada com a
celebradíssima The Logical Song e a
segunda foi iniciada com Child Of Vision, ambas canções de Breakfast In America – todas as composições de Hodgson deste álbum
se fizeram presentes, incluindo ainda Oh
Lord Is It Mine e a famosa faixa-título. Outro álbum a ter todas as suas
composições executadas foi Crime Of The
Century, com If Everyone Was
Listening, a também celebrada Dreamer
(que fez com que todos no recinto se levantassem e batessem palmas) e a
maravilhosa Hide In Your Shell – a canção
preferida de minha mãe e que, segundo ela, também marcou um momento em sua
vida.
Do álbum Crisis?
What Crisis? (1975) – o único
da formação clássica do Supertramp que tínhamos em vinil – só consigo
lembrar-me de A Soapbox Opera.
Inexplicavelmente as fantásticas Sister
Moonshine e Two Of Us ficaram de
fora do set list. Algumas músicas da
carreira-solo de Hodgson foram executadas. Como não domino esta parte de sua
carreira, não sei o nome de muitas delas, mas In Jeopardy, Lovers In The
Wind e Death And A Zoo (esta
última, uma prova definitiva de que não há nada mais pesado e lindo do que uma
bateria microfonada) comprovam que, embora não seja tão marcante, esta fase possui
músicas muito boas.
Voltando ao que realmente
interessa – as composições da época do Supertramp –, do ótimo e nostálgico “...Famous Last Words...” foram
executadas as belíssimas C’est Le Bon e
Don’t Leave Me Now. Próximo ao fim do
show, Hodgson apresenta a banda e anuncia a suposta última música do set list: o épico Fool’s Overture, a obra-prima do Supertramp de quase onze minutos
de duração e maravilhosas passagens instrumentais, perfeitamente executadas por
apenas cinco músicos no palco. Logo no início da canção, meu pai me chamou para
ir para frente do palco, onde havia um bom número de pessoas. A princípio
recusei, mas acabamos indo. Foi uma ótima idéia. Podemos observar de perto o
genial compositor executando sua obra máxima. Indiscutivelmente, o ponto alto
do show. Fool’s Overture sozinha já
valeu o investimento.
Após alguns minutos, os músicos
retornam ao palco para executar outra canção de Even In The Quietest Moments...: Give A Little Bit, outro enorme hit
da eterna ex-banda de Hodgson. A essa altura, já não havia mais ninguém
sentado no recinto. O encerramento apoteótico ocorreu com It’s Raining Again (de “...Famous
Last Words...”). Era impressionante o número de pessoas ao redor com
sorrisos gigantes estampados em seus rostos. É o poder da Música. É o poder de
um grande show com grandes composições. É o fim de uma longa espera para muitas
pessoas. Roger Hodgson agradeceu novamente a participação do público e prometeu
retornar à Brasília futuramente.
A vida nos dá estes momentos. Em
Manaus, meu pai e eu nos divertíamos com estas músicas. Mais de 20 anos depois,
estávamos juntos novamente celebrando-as com seu criador e com outras pessoas
que as valorizam tanto quanto nós. Aquele foi um momento de alegria, merecido e
conquistado. Se senti falta de
canções como Crime Of The Century, Ain’t Nobody But Me, From Now On, Goodbye Stranger e My Kind Of
Lady (todas compostas por Rick Davies)? Claro que sim. Supertramp é
Supertramp. É, acima de tudo, música de qualidade incontestável, feita por dois
grandes compositores. Dois. Mas apenas um deles estava presente naquela noite
mágica, arrepiante e inesquecível, e ele entregou tudo o que prometeu, e foi
além. Nós, meros mortais, somos eternamente gratos.
"(...) Música não é apenas uma diversão, como era em meus primeiros anos. Ela é, acima de tudo, capaz de transformar a vida das pessoas – emocioná-las, fazê-las serem melhores, amar a si mesmas e ao próximo."
ResponderExcluirRealmente emocionante!!!! Momentos em que entendemos o significado de felicidade, e principalmente o papel da musica nas nossas vidas...
Eu sempre falo que a música une as pessoas,
independente de pré-conceitos, e vejo que
é o que nos trás as melhores lembranças tbm...
Como sempre, muito legal Pedro! Amo Supertramp,foi a banda que conheci em um momento ímpar da minha vida, muito marcante mesmo, quando ouço me arrepio, gosto muito! Tenho um dvd, Supertramp Roger's Farewell muito bom, assisto sempre! Beijos e abraços! Piu.
ResponderExcluirEscrever é um talento, descrever um momento especial em palavras permitindo a quem não estava presente sentir um pouquinho do que pra você foi importante, faz o teu talento distinto. Sua escrita entretém, mas não só. Traz emoções, dentre elas aquela nostalgia gostosa de tempos que valeram a pena, a paixão pela música em toda sua grandiosidade, e gratidão a quem merece pelo bom gosto musical, (sinto o mesmo pelo meu pai). Por trazer a superfície tais sentimentos, pela riqueza dos detalhes e pelo prazer da leitura (além de ter me apresentado ao Supertramp), eu não poderia dizer outra coisa além de obrigado. Kiss
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