segunda-feira, 7 de maio de 2012

Roger Hodgson

Se há alguém neste mundo a quem posso atribuir meu gosto musical, este é meu pai. Desde meu nascimento, há quase 26 anos, fui educado com boa música, desde a MPB até o grandioso Rock N’ Roll. As bandas do estilo que mais marcaram minha infância foram os Beatles, Pink Floyd, The Mission UK e Supertramp. Amo-as ainda mais hoje, que sou um adulto e entendo que a Música não é apenas uma diversão, como era em meus primeiros anos. Ela é, acima de tudo, capaz de transformar a vida das pessoas – emocioná-las, fazê-las serem melhores, amar a si mesmas e ao próximo.

E, obviamente, há a nostalgia, a boa e velha coadjuvante na trajetória de qualquer um. Nos tempos de Manaus (e posteriormente Goiânia), meu pai e eu costumávamos passar horas nos fins-de-semana escutando os vinis e cassetes que tínhamos em nosso sofisticado aparelho Sanyo. Dançávamos e andávamos pelo apartamento seguindo o ritmo das músicas. Os anos foram se passando e eu acabei me esquecendo destas sessões musicais e deixei de escutar algumas destas bandas durante parte da adolescência, em que me fixei em um som mais pesado.

Felizmente, meu pai jamais perdeu contato com elas. Em 2007, eu já havia recuperado meu amor pelos Beatles e Pink Floyd. Devido à falta de material suficiente do Supertramp (tínhamos apenas a coletânea The Autobiography Of Supertramp – 1986), apenas voltei a me interessar pela banda quando, certo dia, meu pai chegou em casa com uma cópia de Even In The Quietest Moments... (1977). Ele dirigiu-se imediatamente ao home theater e colocou o disco para tocar. Logo reconheci todas as músicas daquele álbum, ainda que apenas duas delas estivessem na coletânea – meu pai tinha aquele registro em cassete. Ao ouvir Lover Boy, Downstream, Babaji e Fool’s Overture após quase 15 anos, senti um grande orgasmo musical. Me apaixonei absurdamente pelo Supertramp e busquei conhecer mais de sua discografia. A consolidação pelo meu amor à banda deu-se ao ouvir (e relembrar) School, faixa de abertura do clássico absoluto do Rock Crime Of The Century (1974) e que traz um maravilhoso solo de piano.

O Supertramp foi formado pelos compositores Rick Davies (piano, teclado e vocais) e Roger Hodgson (piano, teclado, violão, guitarra e vocais) em 1969. Após diversas trocas de músicos em seus dois primeiros álbuns – os injustiçados e ignorados Supertramp (1970) e Indelibly Stamped (1971) – Davies e Hodgson conseguem estabilizar a banda com a contratação de Bob Siebenberg (bateria), Dougie Thomson (baixo) e John Helliwell (saxofone). Esta formação acabaria por se tornar a mais famosa da história do grupo, lançando cinco álbuns maravilhosos que se tornaram trilha sonora da vida de muitas pessoas na época.

Após o sétimo álbum – “...Famous Last Words...” (1982) – e sua subseqüente turnê, Roger Hodgson deixou a banda alegando que não havia mais condições de Davies e ele conciliarem suas composições (mesmo que fossem assinadas como Davies/Hodgson, quase todas foram compostas individualmente e cada um era responsável pelos vocais principais de suas próprias canções – assim como ocorria nos Beatles). O músico seguiu carreira-solo enquanto o Supertramp deu prosseguimento com as composições de Rick Davies, lançando outros quatro álbuns de estúdio.

Apesar do estilo de composição de Davies ser bem diferente daquele de Hodgson, é evidente que ouvir às canções de cada um intercalando-se tanto nos álbuns quanto nos shows era e ainda é uma experiência deveras prazerosa. A voz grave de Davies contrastava perfeitamente com a aguda de Hodgson. Os dois músicos se completavam, mas obviamente a figura mais marcante na banda era a de Roger Hodgson, responsável pela maioria dos hits da carreira do Supertramp. Ambos concordaram de que um não tocaria composições do outro em seus shows, mas, após a turnê de Brother Where You Bound (1985), Davies, tendo que carregar o nome da banda nas costas, se viu obrigado a incluir algumas canções de Hodgson nos shows, pois apenas as suas não eram suficientes para o grande público. Hodgson, em carreira-solo, jamais precisou depender de alguma composição de Davies em suas apresentações para cativar a platéia.

No ano passado, meu pai comprou o DVD de Roger Hodgson Take The Long Way Home, lançado em 2006 e que contém uma apresentação deste em Montreal acompanhado apenas do músico de apoio Aaron MacDonnald. Fica claro neste registro que Hodgson sozinho é capaz de fazer um show memorável e emocionante apenas utilizando o talento de suas mãos e sua voz. As músicas, executadas apenas por piano, teclado ou violão (e ocasionalmente saxofone), não perderam o brilho devido à ausência de acompanhamento de baixo e bateria. É óbvio que meu pai, Jack (minha “boadrasta”) e eu assistimos este DVD à exaustão.

Em Fevereiro passado, li uma notícia que quase me fez cair da cadeira: Roger Hodgson se apresentaria no dia 28 de Abril no Centro de Convenções Ulysses Guimarães. OK, ele se apresentou em Brasília em 2008, mas eu estava perdido nos confins de Montes Claros na época. Agora eu teria a chance de curtir as canções que marcaram minha infância executadas ao vivo por seu criador. Imediatamente fui à casa de meu pai para lhe contar a notícia e, um tempo depois, nossos ingressos estavam em mãos. Jack iria conosco, mas, devido ao fato de o show ter sido adiado para o dia seguinte, ela teve que desistir da idéia, pois iria viajar na ocasião. Sabe-se lá por qual motivo, minha mãe, outra admiradora do Supertramp, também resolveu que não iria ao show. Ambas perderam. Que pena.

No dia do show, meu pai e eu passamos a tarde inteira assistindo ao DVD de Hodgson e ao último show do Supertramp com ele, realizado em Julho de 1983 na Alemanha. Fiz uma pesquisa para saber se o show seria nos moldes do DVD ou se haveria uma banda completa e meu pai e eu ficamos ainda mais empolgados ao saber que haveria cinco músicos presentes no palco, pois isso aumentaria as chances de ouvirmos certas canções mais musicalmente complexas que soariam no mínimo estranhas sem uma banda de apoio. No início da noite, nos arrumamos e nos dirigimos ao local do show, chegando cerca de uma hora antes de seu início. O local estava dominado por coroas, embora houvesse muitos jovens também. Aquele não era um show tradicional de Rock, pois todos assistiriam sentados em suas poltronas enumeradas.

Roger Hodgson e sua banda subiram ao palco às 20:45 e iniciaram a apresentação com Take The Long Way Home, um dos inúmeros hits de Breakfast In America (1979), o trabalho mais conhecido do Supertramp. Se a emoção já era grande o suficiente ao ouvir os primeiros acordes da canção, ela inchou ainda mais quando a voz marcante de Hodgson se fez presente nos primeiros versos. Eu simplesmente me senti muito feliz em estar ali testemunhando a apresentação de uma lenda do Rock cujo trabalho certamente marcou a vida de todos ali presentes.

Hodgson se comunicou com a platéia em todos os intervalos entre canções. Sempre carismático e sorridente, brincou diversas vezes e falou um pouco sobre as composições antes de executá-las. Após a primeira canção, nos desejou uma boa noite, disse o quanto estava feliz de estar de volta à Brasília após quatro anos e convidou todos a participarem ativamente do show durante suas duas horas de duração. Quando ele anunciou que a próxima música seria School, senti aquele velho arrepio na espinha – apenas um dos vários da noite. Esta é uma de minhas preferidas do Supertramp e, obviamente, também uma das quais eu mais aguardava.

A apresentação, dividida em duas partes de uma hora de duração cada, teve um intervalo de vinte minutos. Não me lembro da ordem exata de execução das canções do set list, mas lembro-me que a primeira parte foi encerrada com a celebradíssima The Logical Song e a segunda foi iniciada com Child Of Vision, ambas canções de Breakfast In America – todas as composições de Hodgson deste álbum se fizeram presentes, incluindo ainda Oh Lord Is It Mine e a famosa faixa-título. Outro álbum a ter todas as suas composições executadas foi Crime Of The Century, com If Everyone Was Listening, a também celebrada Dreamer (que fez com que todos no recinto se levantassem e batessem palmas) e a maravilhosa Hide In Your Shell – a canção preferida de minha mãe e que, segundo ela, também marcou um momento em sua vida.

Do álbum Crisis? What Crisis? (1975) – o único da formação clássica do Supertramp que tínhamos em vinil – só consigo lembrar-me de A Soapbox Opera. Inexplicavelmente as fantásticas Sister Moonshine e Two Of Us ficaram de fora do set list. Algumas músicas da carreira-solo de Hodgson foram executadas. Como não domino esta parte de sua carreira, não sei o nome de muitas delas, mas In Jeopardy, Lovers In The Wind e Death And A Zoo (esta última, uma prova definitiva de que não há nada mais pesado e lindo do que uma bateria microfonada) comprovam que, embora não seja tão marcante, esta fase possui músicas muito boas.

Voltando ao que realmente interessa – as composições da época do Supertramp –, do ótimo e nostálgico “...Famous Last Words...” foram executadas as belíssimas C’est Le Bon e Don’t Leave Me Now. Próximo ao fim do show, Hodgson apresenta a banda e anuncia a suposta última música do set list: o épico Fool’s Overture, a obra-prima do Supertramp de quase onze minutos de duração e maravilhosas passagens instrumentais, perfeitamente executadas por apenas cinco músicos no palco. Logo no início da canção, meu pai me chamou para ir para frente do palco, onde havia um bom número de pessoas. A princípio recusei, mas acabamos indo. Foi uma ótima idéia. Podemos observar de perto o genial compositor executando sua obra máxima. Indiscutivelmente, o ponto alto do show. Fool’s Overture sozinha já valeu o investimento.

Após alguns minutos, os músicos retornam ao palco para executar outra canção de Even In The Quietest Moments...: Give A Little Bit, outro enorme hit da eterna ex-banda de Hodgson. A essa altura, já não havia mais ninguém sentado no recinto. O encerramento apoteótico ocorreu com It’s Raining Again (de “...Famous Last Words...”). Era impressionante o número de pessoas ao redor com sorrisos gigantes estampados em seus rostos. É o poder da Música. É o poder de um grande show com grandes composições. É o fim de uma longa espera para muitas pessoas. Roger Hodgson agradeceu novamente a participação do público e prometeu retornar à Brasília futuramente.

A vida nos dá estes momentos. Em Manaus, meu pai e eu nos divertíamos com estas músicas. Mais de 20 anos depois, estávamos juntos novamente celebrando-as com seu criador e com outras pessoas que as valorizam tanto quanto nós. Aquele foi um momento de alegria, merecido e conquistado. Se senti falta de canções como Crime Of The Century, Ain’t Nobody But Me, From Now On, Goodbye Stranger e My Kind Of Lady (todas compostas por Rick Davies)? Claro que sim. Supertramp é Supertramp. É, acima de tudo, música de qualidade incontestável, feita por dois grandes compositores. Dois. Mas apenas um deles estava presente naquela noite mágica, arrepiante e inesquecível, e ele entregou tudo o que prometeu, e foi além. Nós, meros mortais, somos eternamente gratos.

3 comentários:

  1. "(...) Música não é apenas uma diversão, como era em meus primeiros anos. Ela é, acima de tudo, capaz de transformar a vida das pessoas – emocioná-las, fazê-las serem melhores, amar a si mesmas e ao próximo."

    Realmente emocionante!!!! Momentos em que entendemos o significado de felicidade, e principalmente o papel da musica nas nossas vidas...

    Eu sempre falo que a música une as pessoas,
    independente de pré-conceitos, e vejo que
    é o que nos trás as melhores lembranças tbm...

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  2. Como sempre, muito legal Pedro! Amo Supertramp,foi a banda que conheci em um momento ímpar da minha vida, muito marcante mesmo, quando ouço me arrepio, gosto muito! Tenho um dvd, Supertramp Roger's Farewell muito bom, assisto sempre! Beijos e abraços! Piu.

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  3. Escrever é um talento, descrever um momento especial em palavras permitindo a quem não estava presente sentir um pouquinho do que pra você foi importante, faz o teu talento distinto. Sua escrita entretém, mas não só. Traz emoções, dentre elas aquela nostalgia gostosa de tempos que valeram a pena, a paixão pela música em toda sua grandiosidade, e gratidão a quem merece pelo bom gosto musical, (sinto o mesmo pelo meu pai). Por trazer a superfície tais sentimentos, pela riqueza dos detalhes e pelo prazer da leitura (além de ter me apresentado ao Supertramp), eu não poderia dizer outra coisa além de obrigado. Kiss

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