sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Da Lama Ao Caos: SWU 2011

Desde a terceira edição do Rock In Rio, em 2001, sempre tive vontade de ir a um grande festival de música. Foi nessa época em que comecei a apreciar algumas bandas mais contemporâneas, como Guns N’ Roses e Iron Maiden, sons dos quais eu não tinha contato porque meu pai não os ouvia em casa (o máximo era Unplugged In New York do Nirvana e Ten do Pearl Jam).

A quarta edição brasileira do Rock In Rio foi anunciada em 2010. Para mim, não valeria a pena sair de Brasília e ir para o Rio de Janeiro apenas para conferir Sepultura e Metallica. A primeira é minha banda de Metal preferida, mas já presenciei dois de seus shows (tudo bem, nunca é demais). Apesar de hoje eu gostar da segunda, nunca fui um grande fã a ponto de querer viajar para vê-los ao vivo.

A outra opção de festival de grande porte era o SWU em sua segunda edição. Mas o que é um festival de grande porte sem um número razoável de bandas boas? Megadeth e Down eram as duas únicas do último dia do evento que me chamavam a atenção. Entretanto, não eram suficientes para me fazerem viajar durante horas. Para mim, o SWU estava dispensado assim como o Rock In Rio.

Até que, no dia 20 de Agosto, foram simultaneamente confirmadas as presenças de Alice In Chains e Stone Temple Pilots. Minha vontade de ir ao festival se elevou consideravelmente, mas eu ainda temia não conseguir juntar dinheiro o suficiente para tal. Então, dias depois, fui ao apartamento onde meu pai mora e lá ele me perguntou sobre o festival. Ele demonstrou interesse e disse que, caso eu fosse, ele iria junto. Eu achei a idéia ótima, pois iríamos de carro e eu não teria gastos com passagens.

Na mesma semana fiz uma visita ao meu amigo/irmão Bruno e comentei que meu pai e eu iríamos ao SWU. Ele ficou empolgado e perguntou se poderia ir junto, caso fôssemos mesmo de carro. Eu disse a ele que não haveria problema. Porém, na semana seguinte meu pai disse que não tinha mais certeza se poderia ou não ir, pois talvez precisasse viajar para os Estados Unidos a trabalho. Deduzi naquele momento que ele não iria mais de forma alguma, então eu desanimei por um tempo e disse ao Bruno que talvez eu não fosse mais. Mesmo assim, ele me perguntava todos os dias se eu tinha mudado de idéia.

Mais um tempo se passou e eu fui novamente promovido no trabalho. Ao contar a notícia ao Bruno, ele afirmou que eu não mais tinha motivos para não ir ao SWU, então eu concordei e confirmei que iria. Compramos os ingressos e ele se encarregou de pesquisar e entrar em contato com excursões para o festival. Ele acabou optando por um ônibus fretado pelo Rafael Hedwig, antigo conhecido dele dos tempos do Coreto, em frente ao Colégio GG no Guará, onde freqüentávamos em 2004. Mesmo assim, eu não conseguia me lembrar quem era o tal Rafael – só associei o nome à pessoa quando o reconheci no dia da viagem.

Nós decidimos que levaríamos apenas uma mochila e que faríamos revezamentos com ela, contanto que eu a carregasse durante os shows do Down e Megadeth e ele durante os dos Stone Temple Pilots e Alice In Chains. Assim, cada um poderia curtir suas preferências da melhor forma possível.

O dia da véspera do show chegou e me encontrei com Bruno em sua casa para que ele pudesse guardar suas coisas em minha mochila e de lá pegamos o metrô até a Rodoviária do Plano Piloto, perto do Teatro Nacional, o local de partida combinado. Lá, nos encontramos com o Rafael e ele disse que não havia banheiro em nosso ônibus. Até aí, tudo bem.

Partimos às 20:30 e, próximo à meia-noite, aconteceu um fato engraçado: havia uma garota no ônibus bebendo Heineken como se não houvesse amanhã. Pouco antes, tivemos que parar para que ela pudesse atender ao chamado da natureza. Desta vez, estávamos passando por uma área muito comum em assaltos (Curvelo, se não me engano) e não seria uma boa idéia pararmos. A solução encontrada foi arrumar uma sacola plástica e fazer uma parede humana feminina para que ela pudesse urinar em pé. O que não me conformo é que eu fui a única pessoa a não presenciar este fato, pois estava dormindo naquele momento e só acordei com a sacola passeando sobre a minha cabeça. Ao menos ela ainda não tinha começado a vazar. Amém.

Fizemos diversas paradas. É nítida a diferença entre as feitas nos estados de Minas Gerais e São Paulo. Se qualquer lanche de estrada já não costuma ser barato, em São Paulo a facada é mais profunda para compensar a ótima estrutura dos lugares. Cada simples abocanhada custou aproximadamente R$ 15. Eu tive que rir. Em uma das paradas, a apenas algumas horas de Paulínia, tomou banho e trocou de roupa quem quis, pois não pararíamos mais até chegar ao destino.

Já em Paulínia, abandonamos o ônibus e caminhamos um pouco até chegar ao SWU. Convenientemente, o local escolhido fica em frente a um shopping, onde fomos comer pela última vez antes do show. Tendo em mente que comida nestes lugares é outra facada à parte, optamos pelos snacks das Americanas e comemos na área coberta da entrada do prédio, pois a chuva não cessava.

A fila para entrar no evento era enorme e se movia como uma lesma, devido à rigorosa revista em qualquer mochila ou bolsa que por ela passava. Já era notável a enorme quantidade de lama presente no local. Parece que a organização queria deixar o ambiente o mais próximo possível do Woodstock de 1969. A diferença é que no SWU as pessoas não compareceram em número gigantesco e as grades não foram derrubadas, permitindo livre acesso a qualquer um. Ainda bem, pois 70.000 pessoas já são muito mais do que eu costumo suportar.

Duff McKagan’s Loaded

Conseguimos entrar no local por volta das 15:00. Felizmente, os Raimundos já haviam tocado. Quem estava em um dos dois palcos principais naquele momento era o Loaded, banda de Duff McKagan. Confesso que nunca havia escutado uma música sequer da banda, mas gostei muito do que vi e ouvi. Duff não está tão acabado quanto parece em algumas fotos e ainda possui uma ótima presença de palco e boa voz. Sua banda de apoio é bastante competente, assim como suas composições.

Cinco músicas gravadas pelo Guns N’ Roses foram executadas durante o show, mas não me lembro da ordem das primeiras. New Rose, do álbum de covers “The Spaghetti Incident?” (1993), foi uma delas. Trata-se de uma ótima canção gravada originalmente pela banda The Damned e lançada em seu álbum de estréia Damned Damned Damned (1977). Os primeiros acordes de So Fine, de Use Your Illusion II (1991), me fizeram ficar ainda mais atento ao show, pois aquela era a primeira composição do Guns N’ Roses presente ali.

O ponto alto do show, ao menos para o Bruno e eu, foi a enorme surpresa (“Caralho, mermão!”) ao reconhecer o início da música seguinte. Tratava-se da excelente Dust N’ Bones (Use Your Illusion I, de 1991), pouco celebrada até mesmo pela maioria dos fãs do GN’R. Por isso, nunca imaginamos que algum dia teríamos a oportunidade de conferi-la ao vivo. Valeu, Duff!

O fim do show se aproximava com Attitude, outra canção de “The Spaghetti Incident?” que eu adorava ouvir na adolescência. Esta foi gravada originalmente pelos Misfits e lançada no EP Beware, de 1980. O clássico It’s So Easy, do igualmente clássico álbum de estréia do Guns N’ Roses, Appetite For Destruction (1987), tratou de encerrar o show de Duff e banda, com o público ali presente agitando bastante, dada a popularidade da canção. Um ótimo aquecimento para os shows mais aguardados daquele 14 de Novembro.

Eu estava curioso para conferir a apresentação do Black Rebel Motorcycle Club. Conheci a banda em um show em Boston em 2006, durante a turnê do álbum Howl (2005), e fiquei impressionado com o talento dos integrantes como músicos e compositores. Infelizmente, mais de cinco anos depois, o som e a formação da banda mudaram. O que fazem hoje não é ruim, mas, após três músicas, nós preferimos ir procurar por um bom lugar para assistir ao show do Down no outro palco.

Down

A super-banda formada por Phil Anselmo (Pantera – vocais), Pepper Keenan (Corrosion Of Conformity – guitarra), Kirk Windstein (Crowbar – guitarra), Jimmy Bower (Eyehategod – bateria) e Pat Bruders (Crowbar – baixo) subiu ao palco por volta das 17:00. Anselmo anuncia que a banda tocará NOLA – o primeiro álbum, de 1995 – na íntegra. Achei isso ótimo, pois NOLA é o único trabalho da banda que conheço.

Assim sendo, o massacre sonoro começou com Temptation’s Wings. Phil Anselmo, apesar de toda a sua pose de bad boy do Metal – sempre com cara de mau, chegando até mesmo a arrebentar propositalmente a testa com o microfone – é, de fato, um verdadeiro showman, comunicando-se com a platéia constantemente, seja com gestos ou palavras, e não parando um momento sequer. Destaco também sua performance vocal, que, ao vivo, não deixa a desejar em nada em relação às gravações de estúdio.

Alguns momentos do show valem a pena ser destacados. A segunda música apresentada, Lifer, foi dedicada por Anselmo a Dimebag Darrell. Hail The Leaf fala sobre o uso da maconha e foi dedicada ao Sepultura (mais especificamente Andreas Kisser e Paulo Jr) como uma brincadeira. Em Stone The Crow – uma das mais conhecidas – a participação do público foi mais ativa, cantando o marcante refrão a plenos pulmões.

(Minha única reclamação para com a banda, fortemente influenciada pelo Black Sabbath, é o fato de eles terem chupado um dos riffs principais de Behind The Wall Of Sleep e o utilizado em Pillars Of Eternity. A composição é, na verdade, de Anselmo, mas a banda inteira deveria ter percebido. Talvez seja apenas uma homenagem, mas há formas muito melhores e mais originais de homenagear o trabalho feito por outrem.)

Antes da execução da última música, Anselmo perguntou à platéia o que nós queríamos ouvir. A resposta era óbvia e, ao verem a enorme tatuagem que um fã carregava em seu tórax, a banda tocou o refrão de Walk, clássico do Pantera pertencente ao excelente Vulgar Display Of Power (1992). Todos enlouqueceram naquele momento. Não à toa, pois presenciávamos um show do lendário vocalista daquela banda que foi um gigante da década de 1990. Sem sombra de dúvidas, foi o momento mais marcante do show.

O encerramento com Bury Me In Smoke foi muito interessante. Durante a seção final da música, os integrantes do Down entregaram seus instrumentos a outros músicos, que continuavam a tocar enquanto a banda andava pelo palco. Tratava-se do Loaded – as duas bandas estavam fazendo uma turnê conjunta pela América do Sul. Ao final da canção, todos deixaram o palco, mas Anselmo voltou rapidamente para agradecer ao público e cantar “...and she’s buying a stairway to heaven”, sendo acompanhado e bastante ovacionado pelo público.

No fim, o Down acabou não tocando NOLA na íntegra (faltaram quatro canções) por falta de tempo, mas, em uma hora, fizeram um show irrepreensível e deram uma aula de como agitar uma multidão com um som pesadíssimo e de qualidade inquestionável.

O relógio marcava 18:00. Três bandas das quais não conheço e o Bruno não curte (311, Sonic Youth e Primus) seriam as próximas a tocarem antes do show do Megadeth, que estava previsto para começar após 21:00. Decidimos que era hora de descansar um pouco e conhecer melhor o local. Nos sentamos em uma calçada que tinha por lá e, após algum tempo, voltou a chover. Colocamos as capas de chuva e nos dirigimos até o bar para comprar cerveja – a Heineken custava “apenas” R$ 6 – e, de lá, visitamos o New Stage, palco alternativo do festival, onde ficamos enrolando por um bom tempo. Lá, o público estava bem mais disperso e o som era bacana.

Como se já não bastasse todo aquele lamaçal, o lugar que supostamente deveria ser um banheiro virou um grande mictório. Pisar naquela lama mijada cobrindo quase todo o meu All Star me fez pensar que eu teria que amputar meus pés depois de alguns dias.

Megadeth

Acabamos nos atrasando para chegar ao palco onde o Megadeth tocaria, então nos instalamos em um dos primeiros espaços que achamos, mais próximos do palco do que costumamos ficar. Logo no começo do show, com a ótima Trust, eu percebia que o clima ali naquele lugar não era bom, pois várias pessoas estavam passando rapidamente por lá e esbarrando em boa parte dos que estavam parados tentando curtir o show.

Após algumas canções, como os clássicos Wake Up Dead e Hangar 18, achamos que seria uma boa idéia nos afastarmos um pouco daquela confusão. Durante o percurso rumo a um lugar mais tranqüilo, o Bruno, que andava a frente, virou-se e me contou que alguém havia roubado sua carteira (que, felizmente, continha apenas R$ 5 e uma carteira de habilitação vencida). Logo em seguida, apalpei meus bolsos para descobrir que meu celular – adquirido dois meses antes – e minha carteira também haviam sumido.

Fiquei louco. Voltei alguns metros pelo mesmo caminho e consegui achar minha carteira na lama, em estado lamentável. O dinheiro criou asas, mas, ao menos, consegui meus documentos de volta. O resultado de tudo isso é que fiquei tão transtornado na hora que simplesmente não consegui mais me focar no show do Megadeth. Sequer conseguia me lembrar quais músicas haviam acabado de tocar.

Foi apenas ao assistir ao show novamente para escrever esta matéria que pude constatar o quanto o mesmo foi ótimo – apesar dos pesares, o Megadeth não é culpado pelo meu infortúnio. A banda do genial Dave Mustaine (guitarra e vocal) encontra-se em uma grande fase, com uma de suas melhores formações, que conta com David Ellefson no baixo, Shawn Drover na bateria e Chris Broderick na outra guitarra.

Mustaine é um cara que não é de falar muito no palco, mas é evidente o quanto ele ama o que faz. Quando diz algo ao microfone, é amplamente aplaudido por todos, que o admiram como o grande compositor e guitarrista que é, fundador e líder de uma das melhores bandas de Metal de todos os tempos. Broderick e Ellefson também são shows à parte, agitando como poucos sobre o palco.

O Megadeth ainda tocou outros clássicos absolutos como A Tout Le Monde e Sweating Bullets, além de Head Crusher – do maravilhoso Endgame, de 2009 – e as novas Whose Life (Is It Anyways?) e Public Enemy No. 1, ambas de Th1rt3en, lançado apenas duas semanas antes. O “porém” dos shows do Megadeth é aquela velha impressão de já ter visto tudo aquilo (ou quase) antes. A trinca de encerramento Symphony Of Destruction/Peace Sells/Holy Wars... The Punishment Due já está mais que desgastada, pois, sendo utilizada por muitos e muitos anos, acaba estragando quaisquer possíveis surpresas, como foi a abertura com Trust.

Voltando ao local do show, após eu ter passado muita raiva, Holy Wars se inicia. Bruno e eu, fãs de Megadeth que já assistiram a dois shows da banda anteriormente cada um, decidimos aproveitar o momento para nos deslocarmos para o outro palco e nos prepararmos melhor para uma das bandas que mais aguardávamos naquele dia.

Stone Temple Pilots

Após os acordes finais de Holy Wars e, posteriormente, o playback de Silent Scorn, a espera pela apresentação dos Stone Temple Pilots durou alguns minutos. Um pouco antes das 22:30, a banda adentra o palco e imediatamente executa Crackerman. Se pouco antes disso eu ainda estava estressado, naquele momento tudo passou. O show era outro. A vibe era outra. Eu havia finalmente percebido que, se eu continuasse como estava, não aproveitaria o resto da noite e me arrependeria disso por muito tempo. Talvez, tempo demais.

Logo na abertura, fica evidente que Dean DeLeo (guitarra), Robert DeLeo (baixo) e Eric Kretz (bateria) são músicos extremamente competentes e entrosados. O vocalista e figura principal Scott Weiland utiliza seu sempre presente megafone em algumas partes da canção – ele acabaria sendo reutilizado em alguns outros momentos do show.

Weiland é um sobrevivente das drogas pesadas (assim como Duff McKagan, Phil Anselmo e Dave Mustaine). Sua aparência está sóbria e ele parece, enfim, ter saído do buraco de vez. Suas famosas dancinhas e rebolados toscos continuam presentes nas apresentações da banda, assim como a sua economia ao conversar com a platéia, deixando a música falar por si mesma.

O set list dos STP foi quase inteiramente baseado nos dois primeiros álbuns da banda – o ótimo Core (1992) e o excelente Purple (1994). Do No. 4 (1999), meu preferido, apenas Heaven & Hot Rods esteve presente. Nada do Shangri-La Dee Da (2001) foi executado.

Quando Between The Lines se encerrou, os músicos iniciaram uma jam session com slide guitar. Apenas uma coisa se passava pela minha cabeça naquele momento: “Porra, eles vão tocar Big Empty!”. Foi exatamente o que aconteceu. Foi difícil conter a emoção naquele momento, pois Big Empty faz parte de mim desde minha infância e ela me acompanhou durante diversos estágios da minha vida. Foi um momento mágico poder conferir seus criadores executando-a ali, ao vivo e a cores. Uma de minhas melhores lembranças do SWU.

Foi com Plush que o enorme público, cansado e debaixo de chuva, mostrou que ainda possuía energias suficientes para agüentar mais algumas horas de festival. Todos cantaram juntos a canção mais famosa – e, certamente, uma das melhores – dos Stone Temple Pilots. A belíssima Interstate Love Song e a divertida Big Bang Baby foram acertadamente executadas logo em seguida, aproveitando a empolgação do pessoal.

Para finalizar, a banda executou Trippin’ On A Hole In A Paper Heart, agradeceu a todos e deixou o palco. Apesar de eu achar que Sex Type Thing, a canção anterior, cumpriria melhor a tarefa, não tive reclamações a fazer. Apenas queria que aquele show tivesse durado mais. Bem mais. Talvez as pessoas que puderam conferir os STP em 2010 tenham reclamado da mesmice do set list no SWU (assim como o Bruno e eu reclamamos do set list do Megadeth), mas aquela foi minha primeira vez.

Alice In Chains

Entre os dois palcos principais, havia um lugar vendendo cerveja, cercado por uma grade baixa. Encostei-me ali, de frente para o palco do Alice In Chains, que ainda estava muito longe. Eu estava cansado e perguntei ao Bruno se poderíamos assistir ao show naquele lugar, que estava bem menos movimentado. Ele concordou.

Alice In Chains era a banda mais aguardada por mim naquele dia. Em certo momento, me senti como Scott Pilgrim em um jogo no qual eu deveria passar por todos os capangas (as outras bandas) para, enfim, chegar ao chefão (Alice In Chains). Eu simplesmente não acreditava que o ápice daquele dia magnífico estava para começar.

Era quase meia-noite quando o AIC entrou no palco. Os primeiros sons da guitarra ecoaram nos amplificadores. A banda executa Them Bones, considerada por mim uma das mais lindas canções de Heavy Metal de todos os tempos – pesadíssima e com um excelente solo de guitarra. Logo em seguida, emendam Dam That River, outra porrada característica da banda. Ao final desta, Bruno me pediu para nos aproximarmos mais do palco e, naquele momento, meu cansaço já havia desaparecido como dinheiro público.

Enquanto procurávamos por um bom lugar para passarmos o show, a banda inicia Rain When I Die (nada poderia combinar melhor com aquele tempo chuvoso). Então, me dei conta de que as três primeiras canções do show eram também as três primeiras do álbum mais clássico da banda, Dirt (1992). Cheguei até mesmo a pensar que ele seria executado na íntegra, o que não se concretizou.

O Alice In Chains é uma banda com excelência em composição e musicalidade. O guitarrista e vocalista Jerry Cantrell, o baterista Sean Kinney, o baixista Mike Inez e o vocalista principal (também guitarrista ocasional) William DuVall compõem sua atual formação. Os quatro álbuns de estúdio e os dois EPs lançados durante a carreira não parecem muito, mas foram (e ainda são) a trilha sonora da vida de muitas pessoas, que já começavam a ser dominadas pela emoção e nostalgia dos velhos tempos.

O show segue com Again – a única do álbum Alice In Chains (1995) no set list. Logo em seguida veio Check My Brain e, ciente do quanto o Bruno adora aquele riff, pedi para segurar a mochila naquele momento para que ele pudesse aproveitar ainda mais aquela canção e disse: “Essa é sua, irmão!”. Na seqüência, It Ain’t Like That nos fez bater cabeça com seu peso e ritmo cadenciado. Uma das melhores composições de Facelift (1990), o primeiro álbum da banda.

Your Decision foi a primeira música do mais recente álbum, Black Gives Way To Blue (2009), a ser tocada no show. Ótima balada acústica, assim como a seguinte, Got Me Wrong, outra de minhas preferidas, presente no EP Sap, de 1992. Mais uma presença de peso, literalmente falando, foi We Die Young, dona de um dos riffs mais inspirados do acervo da banda.

William DuVall se comunicou brevemente com o público em português em alguns instantes, demonstrando sua enorme satisfação em tocar com o Alice In Chains no Brasil pela primeira vez. O vocalista possui uma presença de palco mais agitada, o que contrasta bem com as letras comumente depressivas do AIC.  Já Jerry Cantrell – o líder, principal compositor e a alma da banda – também se comunicou ocasionalmente conosco, em sua língua nativa, sempre convidando todos a cantarem junto a eles os clássicos que marcaram toda uma geração.

Foi o que aconteceu após Last Of My Kind. Os acordes iniciais de Down In A Hole indicavam qual seria o clima daqueles cinco minutos seguintes. Eu olhava para os lados e via algumas pessoas chorando, emocionadas, cantando a maravilhosa letra daquela canção. O mesmo pode ser dito de Nutshell (do EP Jar Of Flies – 1994), dedicada aos ex-integrantes Layne Staley – vocalista, falecido em 2002 – e Mike Starr, baixista, morto apenas oito meses antes. A emoção dos presentes se elevou ainda mais. Estas duas canções juntas formaram o melhor momento de todo aquele show inesquecível. Sinto arrepios só de lembrar.

Acid Bubble, minha canção preferida de Black Gives Way To Blue, foi seguida por outros dois clássicos: Angry Chair e Man In The Box. Esta última fez agitar até quem havia passado o show inteiro parado e dava a impressão de que o mesmo estava por ser encerrado. Felizmente, ainda havia tempo para mais. Rooster se inicia e, embora eu não seja fã desta por achá-la cansativa, admito que até mesmo a chatíssima Frogs me deixaria louco se fosse executada ali. No Excuses trata de encerrar o show.

Eu disse “encerrar o show”? Espere! DuVall agradece ao público por “ficar na chuva” e anuncia que a banda tocará sua última música, que, para mim, seria também o último grande momento daquela jornada. Mike Inez executa aquela inconfundível introdução em seu baixo. Sim, era Would?, a canção pela qual o Bruno e eu ansiamos para ouvir durante todo o show. Na verdade, algo me dizia que o mesmo seria encerrado com ela desde o início. Would? é, provavelmente, minha música preferida do AIC e a que mais me faz lembrar de Layne Staley. Ao ouvi-la ao vivo, gastei todo o resto de energia que ainda me sobrava.

Assim sendo, o Alice In Chains encerrou sua maravilhosa apresentação de pouco mais de 90 minutos da melhor forma possível. Todas as minhas expectativas foram cumpridas e até mesmo superadas. O melhor show daquele dia, um dos quais lembrarei para sempre com um enorme sorriso no rosto. Depois de tudo aquilo, a única coisa da qual eu precisava era descansar por muito, muito tempo.

Entretanto, o Bruno queria assistir a apresentação do Faith No More. Para começar, eu nunca consegui absorver o som da banda ou entender sua proposta musical (sempre achei suas músicas bastante esquisitas), muito menos o porquê de a mesma ter sido escalada para encerrar o último dia do festival.

Faith No More

Estava frio e chuvoso, eu estava exausto e minha coluna gritava por socorro há tempos. Já era quase 1:30. Eu realmente não estava disposto a assistir aquele show e perguntei ao Bruno se eu poderia esperá-lo em algum outro lugar para descansar durante o mesmo. Ele insistiu para que eu fosse com ele. Acabei concordando, pois eu mesmo não gostaria muito de assistir a qualquer show sozinho.

A introdução ficou a cargo do poeta pernambucano Cacau Gomes, que fez um protesto pelo fato de sua biblioteca, com um acervo de 20.000 livros e diversas atividades artísticas, ter sido fechada após quinze anos de dedicação. Ele concluiu dizendo que reabrirá a mesma quando voltar a Recife (espero que realmente consiga) e anunciou o Faith No More por volta de 1:40. Como eu não era familiarizado com quase nenhuma das músicas presentes no set list, tampouco sabia quais eram seus nomes. Então, pretendo apenas comentar os instantes mais curiosos, ao menos a meu ver.

A bateria de Mike Bordin estava cercada por flores e todos os integrantes estavam usando roupas brancas. Parecia uma apresentação de candomblé. O show inteiro só me comprovou duas coisas. A primeira delas é que realmente o som da banda não me agrada. A segunda é que, para mim, valeu à pena assistir ao Faith No More apenas por um motivo: Mike Patton.

Patton é um cantor completo, dotado de uma técnica vocal impressionante, capaz de reproduzir vocais dos mais variados estilos e que jamais desafina ou perde o fôlego. Passeia com tranqüilidade entre gritos ensandecidos das canções mais pesadas e o feeling das mais suaves. Sua presença de palco é totalmente tresloucada, assim como suas expressões faciais em boa parte do tempo. Visitante assíduo do Brasil e amigo dos membros do Sepultura, o vocalista se comunicou com o público apenas em português.

Todos os melhores momentos do show foram protagonizados por Patton. Um deles foi quando ele desceu do palco, tomou posse de uma das câmeras profissionais e documentou tanto outros cameramen quanto o palco e o público, caindo do pedestal e levantando-se rapidamente para ir cumprimentar as pessoas. Ao regressar ao palco, anuncia duas palavras, convocando todos a cantarem “porra, caralho” repetidas vezes durante a execução de uma das canções. Foi um momento muito engraçado.

Patton babou no palco ao ouvir o público cantando em seu lugar. Em outra canção, um coral de crianças proveu backing vocals e elas foram nada menos do que fantásticas. O encerramento do show foi um tanto estranho (mesmo sendo do Faith No More) por contar com uma balada jazzística. A banda tocou por quase quinze minutos a menos do que o Alice In Chains.

Próximo às 3:00, uma queima de fogos se seguiu, anunciando o fim do festival. Logo em seguida, percorremos um longo caminho até a saída do local, dificultado consideravelmente pela lama. Àquela altura, não cair de bunda no chão exigia um grande controle físico e mental. Levamos quase meia-hora para chegarmos ao nosso ônibus e, ao me sentar na poltrona, me desliguei. Acordei apenas quando fizemos a primeira parada, muito depois. Felizmente, apenas mais uma se seguiu até chegarmos a Brasília, exatamente no mesmo local de onde havíamos partido dois dias antes. Depois de pegar o metrô, passei no apartamento do meu pai – ele acabou não indo viajar mesmo – para contar-lhe como foram a viagem e o festival. Logo depois, fui para minha casa, joguei meu All Star coberto de lama mijada no lixo e tomei um longo banho.

No fim das contas, o saldo foi extremamente positivo. Fui prejudicado pelo roubo? Sim, claro. Mas o que são valores monetários se comparados à oportunidade de presenciar algo mágico, único e inesquecível como foi o último dia do SWU Music & Arts Festival 2011? Certamente, aquele dia será sempre celebrado por mim como um dos mais memoráveis de minha vida. Eu só tenho a agradecer ao Bruno pela insistência. Simplesmente é impossível imaginar uma companhia para assistir Down, Megadeth, Stone Temple Pilots e Alice In Chains melhor do que a dele, pois temos gosto em comum por estas e muitas outras bandas. Muito obrigado, irmão!

3 comentários:

  1. I hate to tell you this, but... I warned you, lol

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  2. Nossa Pedro, arrepiei o tempo todo lendo seu post, rsrs!!! Muito massa velho, sem palavras, vc nos fez (eu e João) sentir muita inveja, (boa é claro!). Caraca, ver Down, Stone Temple Pilots, ALICE IN CHAINS (*.* cantando Would?), Faith no More que João adora, ver tudo isso em um dia só cara, é demais!!!! Nós assistimos AIC pela multishow, assustei com a aparência de Jerry rs, curti demais. Me emocionei como fã e lembrei saudosamente dos vocais de Layne e Jerry se encaixando perfeitamente, mas assim está ótimo também! Vc me fez ''viajar'' Beijos Piu.

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  3. Não tenho palavras para comentar esse post! Simplesmente, me sinto emocionado ao extremo ao lembrar que esse foi com toda e absoluta certeza, um dos melhores dias de nossas vidas!!
    Ao ler esse post (o que eu já vinha aguardando desde que voltamos à Brasília), foi como se revivesse tudo novamente. Aquela coisa meio "clichê" de um filminho passando na sua cabeça, mas é exatamente isso!!!
    Até hoje, quando eu comento sobre o SWU e lembro dos melhores momentos, me arrepio constantemente, principalmente ao lembrar do momento mais "foda" pra mim, que foi ver o Phil Anselmo emocionado e agradecendo a galera com o refrão de Starway to Heaven.
    Eu também te agradeço Pedro, pela companhia e pro ser esse grande amigo/irmão que você é. Não preciso entrar no mérito de considerações, pois todos os que me conhecem sabem o quanto te considero como um irmão.
    I know that it's a little gay, but you know that I love you, bitch!!!!

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