sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Hair (1979)

Na época em que morei em Goiânia pela primeira vez, em meados de 1995, costumava gravar muitos filmes que passavam na televisão. Meu pai fazia diversas viagens para Manaus a trabalho e sempre me trazia caixas com fitas VHS novas. Ele nunca se preocupava em gravar filmes. Porém, certa vez, acordei de manhã e percebi que ele havia pegado uma destas fitas para realizar uma gravação. Quando fui perguntá-lo o que havia sido gravado, ele simplesmente encheu a boca e os olhos e disse: Hair! Um dos melhores filmes da história!”, ou algo assim. Ele explicou que o filme havia passado no Intercine, começando à uma da madrugada e terminando um pouco depois das três. Ele não me convidou a vê-lo na hora porque eu acordava muito cedo para ir para a escola.

Imaginei que o filme deveria ser uma coisa de outro mundo, já que meu pai jamais gravaria qualquer coisa por conta própria. Fiquei naturalmente curioso, algo bastante comum para uma criança de 9 anos de idade sedenta por aprender mais sobre a arte do Cinema e da Música. Ao assistir ao filme, estava ciente de que havia presenciado algo espetacular. Os personagens, a música, os cenários, a época e a cultura dela tornam Hair um dos melhores filmes a que já tive o prazer de assistir. Após reproduções constantes, a fita foi finalmente tragada pelo videocassete e isto fez com que eu passasse bons anos sem contato algum com o filme.

Até que, morando em Boston em 2006, eu estava em uma loja de CDs e DVDs sem saber o que comprar e, de repente, foi como se uma cópia do filme pulasse em minha mão e dissesse: “Buy me! Buy me!”. Como eu poderia recusar? Então fui para casa rever o filme após quase uma década e me surpreendi quando percebi que havia passado a sessão inteira com um sorriso contínuo em meu rosto. Sorriso este que refletia a saudade de Hair sendo morta durante quase duas horas de projeção.

Hair é um filme de 1979 dirigido por Milos Forman, vencedor do Oscar de Melhor Diretor por seu filme anterior, o excelente One Flew Over The Cuckoo’s Nest (Um Estranho No Ninho – 1975). O filme foi inspirado no musical homônimo de 1968 da Broadway, mas exceto pelo título, nomes de personagens e algumas canções, pouco têm em comum. James Rado e Gerome Ragni, escritores do musical, afirmam que a versão cinematográfica do mesmo ainda não foi produzida, deixando claro que não gostaram do filme em questão. Mas o que realmente importa é que Hair, o filme, consegue se manter sozinho por seu próprio mérito e deleite audiovisual.

Na trama, que se passa em 1968, somos apresentados a Claude Bukowski (John Savage), um ingênuo jovem fazendeiro do interior de Oklahoma que viaja para New York para se alistar no exército. Era o auge da Guerra do Vietnam e do movimento hippie que lutava contra a mesma. Ao passear pelo Central Park, Claude conhece um grupo de hippies liderado pelo carismático George Berger (Treat Williams, em um papel inesquecível). Juntos, mostram a Claude as coisas belas da vida (leia-se haxixe e LSD) que ele não teve a oportunidade de conhecer em sua cidadezinha em Oklahoma e tentam convencê-lo das barbaridades da Guerra do Vietnam. Ao mesmo tempo, Claude se apaixona por uma garota da alta sociedade, Sheila Franklin (Beverly D’Angelo), que, mesmo sabendo do interesse amoroso deste por ela, não hesita em flertar com Berger (Ah, as mulheres!). Enfim, Claude acaba se alistando no exército após um problema de comunicação entre Berger e ele, indo parar em uma base de treinamento militar em Nevada. Sheila, após receber uma carta de Claude, mostra-a a Berger, que decide fazer uma viagem, junto a ela e seu grupo, através do país para visitar o amigo.

A sinopse do filme o dá a impressão de ser bastante ordinário, não fosse pelas seqüências musicais e seus fortes personagens que, além de Claude, Berger e Sheila, constam Woof Daschund (Don Dacus, guitarrista e vocalista da banda Chicago), LaFayette “Hud” Johnson (Dorsey Wright), a noiva de Hud (Cheryl Barnes) e Jeannie Ryan (Annie Golden), garota adorável que está grávida, mas não sabe se o pai do bebê é Woof ou Hud. Temos, naturalmente, outros personagens de menor destaque, mas de igual importância para o andamento da projeção.

Porém, quem rouba todas as cenas nas quais aparece é Berger. O sujeito de 23 anos demonstra uma liderança natural para com seu grupo e não mede esforços para que todos estejam bem, como fica provado na excelente seqüência em que todos os demais (inclusive Claude) encontram-se presos enquanto Berger sai às ruas em busca de dinheiro para pagar suas fianças. Da mesma forma com que preza pelos amigos, tem amor pela vida e pelo estilo com que a leva. Não se importa nem um pouco com as obrigações que a sociedade lhe impõe e simplesmente faz as coisas que tem vontade, quando tem vontade, sem prejudicar a ninguém (de certa forma). Seu grande destaque na tela é a cena na qual protagoniza uma dança sobre uma longa mesa ao ir a uma festa que não foi convidado (a canção em questão é I Got Life).

As seqüências musicais e suas coreografias são de embasbacar. Até hoje, quando assisto à fantástica seqüência no Central Park ao som de Aquarius, sinto arrepios e percebo um grande sorriso em meu rosto (como quando assisti ao filme novamente em 2006). Acredito que grande parte do impacto que esta cena me causa é justamente a força da canção em questão, que virou um grande sucesso em 1969 quando foi lançada em single. Temos cenas/canções engraçadas como Sodomy (Woof recitando palavras safadas para duas mulheres enquanto andam a cavalo), Hair (a famosa canção-título executada na prisão) e Black Boys/White Boys (alternada entre mulheres no Central Park e militares responsáveis pela avaliação física dos alistados, resultando no momento mais hilário do filme).

Porém, à medida que o filme se desenvolve, as cenas/canções mais alegres dão lugar às mais tristes, e este é um dos méritos do filme. Os trinta minutos finais contrastam imensamente com a mesma duração inicial e é interessante poder acompanhar todas as suas transições. Temos canções mais densas como a bela Walking In Space (My Body) (que traz arrepios em minha espinha toda vez que a garota vietnamita aparece cantando, mesmo que a voz da canção não seja realmente dela), Easy To Be Hard (quando a noiva de Hud o encontra e este a hostiliza, numa belíssima cena mostrando para quê servem os amigos) e a fantástica The Flesh Failures/Let The Sunshine In, o clímax/desfecho da narrativa (que não comentarei para não estragar a surpresa de quem não assistiu ao filme, mas tem vontade).

Todas as vezes nas quais assisto Hair, sinto a nostalgia que nunca tive. Ao testemunhar como era a sociedade no final dos anos 60, a cultura americana (e também européia), o Rock N’ Roll atingindo seu auge, o movimento hippie pregando paz e amor acima de tudo, entre outras coisas, faz-me querer cada vez mais ter vivido aquela época, mesmo com todas as dificuldades que ela também apresentava. Atualmente, vivemos em um mundo aonde as pessoas não interagem mais entre si e não se preocupam umas com as outras. São tão fúteis e conformistas que se contentam com o nível mais baixo de conhecimento cultural (ao menos, os brasileiros) e acham que a Política algum dia irá consertar o mundo. Os jovens estão cada vez mais estúpidos e unidimensionais. Não existe mais a vontade de se causar uma revolução através da inteligência e do inconformismo, muito menos o tesão pela vida. Tudo isso me convence de que nasci na época errada, onde quase tudo é ruim demais, sugerindo que a humanidade vai gradualmente caminhando em direção ao fim.

“Quando a lua estiver na Sétima Casa e Júpiter se alinhar com Marte, então a paz irá guiar os planetas e o amor dirigirá as estrelas.”Aquarius

3 comentários:

  1. Oi Pedro! Adoro seus posts sobre cinema!!!
    Hair também é um dos meus filmes favoritos!
    A primeira vez que assisti foi na escola em Belo Horizonte, onde tinha aula de cinema. Viajo na parte em que Claude toma LSD e fica doidão, rsrs!
    Já perdi as contas de quantas vezes assisti. Tenho a honra de ter a trilha sonora do filme em Vinil!
    Continue postando sobre cinema, você escreve bem demais!!! Beijos Piu.

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  2. Oi Pedro. Muito bom este seu texto, cara! A emoção e sentimentos utilizados por você ao escrever, torna bem mais interessante a narrativa, despertando em qualquer um a vontade de assistir o filme retratado.
    "Atualmente, vivemos em um mundo aonde as pessoas não interagem mais entre si e não se preocupam umas com as outras." Concordo com você.O mundo a nossa volta está cheio de pessoas supérfluas, sem valores. A amizade vem perdendo o seu na época errada,ou com pessoas erradas. Valeu pela sua atenção ao meu comentário no último post. Abçs.

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  3. (completando)
    A amizade vem perdendo o seu verdadeiro sentido. De duas, uma: ou estamos vivendo na época errada,ou com as pessoas erradas. Valeu pela sua atenção ao meu comentário no último post. Abçs.

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